Poder navegar por um mundo infinito de possibilidades com apenas um toque, sem dúvidas, é algo fantástico. Afinal, na palma da mão, conseguimos ter acesso rápido e fácil às notícias, ao entretenimento, aos negócios e até mesmo para reencontrar velhos amigos. É fascinante, concorda? E se encanta os adultos, imagina o quanto desperta o interesse das crianças que, além de ficarem deslumbradas com tantos estímulos, ainda observam seus pais e cuidadores utilizarem diariamente os smartphones e tablets, não é mesmo?

De acordo com um relatório publicado em dezembro de 2017 pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), um em cada três usuários de internet, em todo o mundo, é uma criança. Esse estudo, chamado de The State of the World’s Children 2017: Children in a digital world  (“O Estado Mundial da Infância 2017: crianças em um mundo digital) identificou os riscos e oportunidades que a tecnologia oferece.


Por que até os pais do Vale do Silício limitam o uso de telas?


Segundo a organização, os dispositivos móveis possibilitam que meninos e meninas tenham ingresso ao mundo online de forma menos supervisionada, e, sendo assim, o mundo digital torna-se ainda mais perigoso para as crianças.

“Em um mundo digital, nosso duplo desafio é como mitigar os danos maximizando os benefícios da internet para cada criança e cada adolescente”, declarou o diretor executivo do Unicef, Anthony Lake.

Não há como negar que a tecnologia é irreversível em nossas vidas e que, sim, ela traz inúmeros benefícios. Entretanto, conforme mostra a pesquisa, a internet aumenta a vulnerabilidade de crianças a inúmeros danos, como o uso indevido de informações privadas, o acesso aos conteúdos inadequados para a idade, abuso, tráfico, exploração e o cyberbullying.

Com tantos riscos, você deve estar se perguntando: é possível proteger as crianças da “porta para o mundo”, que é a Internet? A segurança digital é a chave para responder essa questão.

O mundo digital é prejudicial para seu filho?

Todo pai e mãe sabe que criança precisa brincar. Afinal, é por meio da brincadeira que são desenvolvidas as expressões, os sentimentos e o aprendizado. Sendo assim, ela é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, social e intelectual dos pequenos.

Entretanto, mesmo sabendo desses benefícios que o livre brincar proporciona, quem nunca deixou os filhos se entreterem por algum tempo no smartphone para poder preparar o jantar ou até mesmo para conseguir finalizar aquele relatório importantíssimo para apresentar na reunião de trabalho? Sem contar que, às vezes, são os próprios pequenos que imploram para brincar só mais um pouquinho na tablet e, de tanta insistência, conseguem o que querem.

Essas cenas são comuns na maioria dos lares e quem tem criança pequena em casa sabe que em determinados momentos, a tecnologia digital é “uma mão na roda”. Mas, apesar de parecer que estamos ganhando alguns minutos de tranquilidade, quais serão as consequências caso o uso da internet se torne indiscriminado?

Segundo a conselheira jurídica do Instituto iStart, Cristina Sleiman, é necessário refletir sobre o quanto o acesso ao mundo digital poderá afetar a aprendizagem desse baixinho.

“Quando uma criança ganha um celular com acesso irrestrito à internet ela está exposta a conteúdos que podem não ser apropriados à idade. Nesse sentido, é importante que os pais fiquem atentos e, acima de tudo, ensinem as crianças a usarem a internet com responsabilidade, sempre de acordo com a idade. Principalmente quando começa a interagir em redes sociais, por exemplo, e passa a estar exposta a pedófilos mais diretamente”, afirma.

Idade mínima

Devido à extensa lista de malefícios que o uso de celulares, tablets e computadores podem acarretar na vida das crianças, Cristina ressalta que há pesquisas que indicam que o acesso às telas deveria ser permitido apenas a partir dos 12 anos. Porém, essa é uma realidade distante, afinal, todos sabemos o quanto é difícil manter os pequenos por tantos anos assim longe da internet.

“Não há muito como controlar a entrada da tecnologia na vida das crianças porque os pais promovem a iniciação à tecnologia logo cedo. Podemos citar como exemplo, os vídeos da Galinha Pintadinha, entre outros. Nesse sentido, a orientação é essencial. Não recomendamos que uma criança tenha acesso ilimitado ao Youtube sem nenhuma supervisão. Além disso, é importante também conversar com outros pais, porque o vizinho pode não ter a mesma consciência dos perigos que a internet oferece a uma criança. Dessa forma, quanto mais os pais compartilharem com a comunidade, melhor”, pontua.

Como limitar o que as crianças acessam nos dispositivos móveis?

A segurança no ambiente digital é extremamente necessária para manter as crianças longe dos perigos da internet. Uma das medidas que deve ser adotada pelos pais e cuidadores é monitorar o que os pequenos estão acessando. “Uma dificuldade que tenho percebido nos pais é o monitoramento. Normalmente, eles se enxergam como invasores, enquanto, na verdade, eles têm o dever de zelar pela segurança dos filhos. Ditar as regras também acaba sendo bem difícil, mas a persistência e paciência são muito importantes, pois podemos salvá-los de situações inesperadas e perigosas. Só assim, a tecnologia trará benefícios e os riscos, mitigados”, pondera Cristina.

De acordo com a conselheira jurídica, os responsáveis devem sempre conversar com as crianças e explicar quais são os riscos aos quais elas estão expostas ao usar a tecnologia digital. “Para crianças menores, ir sempre explicando sobre os riscos de expor fotos da casa e da rotina, por exemplo. Para crianças mais velhas, além das fotos é importante mostrar com fatos os riscos que ela está exposta quando interage com pessoas desconhecidas e assim por diante. Os pais devem sempre orientar as crianças de que toda liberdade vem acompanhada de responsabilidade, mostrando que sempre há limites para tudo e que não há invasão de privacidade quando o assunto é a segurança das crianças”, enfatiza.

AppGuardian: uma solução para pais e filhos

Já existe no mercado algumas soluções que ajudam no controle parental e dão informações aos pais onde os pequenos estão navegando.

Um exemplo deles é o AppGuardian. Gratuito e formatado em três versões diferentes (Versão Pais; Filhos e Navegação Segura- com filtro para conteúdo explícito-, a ferramenta também disponibiliza um portal com conteúdo informativo para pais e mães, com vídeos, entrevistas com especialistas e orientações sobre educação no mundo digital.

A empresa surgiu após Luiza Mendonça, uma de suas fundadoras, não saber como orientar a filha quanto ao uso da internet. “Quando Bia, minha filha, ganhou o primeiro celular, eu não sabia como norteá-la sobre os perigos da vida online, nem estabelecer os limites de um uso saudável sem perder a sua confiança. Pesquisando no próprio mundo digital, encontrei muitos aplicativos de fora do Brasil que davam controle total aos pais. Mas não achei suficiente. Queria não só uma ferramenta que me ajudasse a estabelecer regras bem definidas mas que, principalmente, estimulasse o diálogo por meio delas”, lembra.

Foi então que Luiza teve a ideia de criar um aplicativo brasileiro. Com o objetivo de deixar os pais mais tranquilos na movimentação diária dos filhos sem a necessidade ficar questionando onde eles estão, o aplicativo possui a função de localização dos filhos em tempo real. “Nas configurações de uso, os pais encontram o gerenciador de aplicativos onde é possível não só visualizar a lista de aplicativos instalados e mais utilizados pelos filhos, como também bloquear o uso a qualquer momento dependendo da decisão ou orientação tomada”, afirma.

Outro benefício é estabelecer limite de tempo de uso dos aparelhos e aplicativos instalados. Assim, os responsáveis pela criança conseguem organizar a rotina de estudo, de sono e até os momentos livres de uso da internet, estabelecendo dias e horas determinadas. “É possível também checar quanto tempo seus filhos ficaram conectado nas últimas 24h, 7 e 30 dias como também o tempo dedicado em cada aplicativo. E ainda checar o histórico de instalações e desinstalações de aplicativos em tempo real que eles acontecem”, explica. Vale destacar que o aplicativo é 100% em português e é gratuito. Há possibilidade do usuário aderir à versão Premium, que é paga, onde é possível, por exemplo, ter a atualização da localização da criança em tempo real.

Falta de diálogo gera demanda por aplicativo

Para Luiza Mendonça, uma das fundadoras do aplicativo AppGuardian, a maioria dos pais e mães que buscam pelo serviço não visam, necessariamente, o desejo de ter o controle sobre a vida os pequenos, mas, sim, são movidos à angústia de não manter um diálogo saudável com os filhos.

“Os pais se sentem inseguros por não saberem se seus filhos estão protegidos no mundo virtual, com quem estão falando, se estão usando as telinhas muito mais tempo que o necessário, se estão dando limites demais ou liberando em excesso o uso. Na verdade, os pais não sabem muito bem como lidar com essa nova geração. São pais que, muitas vezes, trabalham fora e querem estar presentes no dia a dia dos seus filhos, e precisam de alguma forma monitorá-los para isso. A ideia não é punição, mas, sim, através de informação fomentar o diálogo, a comunicação”, explica.

Pais ativos: participe da vida digital do seu filho

Se a falta de diálogo com as crianças é motivo de angústia em muitas famílias, procurar uma aproximação com os filhos também é fundamental quando o assunto é segurança digital. Além de orientar os pequenos quanto aos perigos da internet e de buscar o auxílio de aplicativos de controle parental, pais e mães devem estar presentes fisicamente nas atividades realizadas pelos filhos, seja na vida real ou virtual.

“O maior desafio dos pais para acompanhar, proteger e orientar as crianças quanto ao uso da tecnologia, é a disponibilidade de fazer isso juntos. As pessoas precisam saber a diferença entre quantidade de tempo e qualidade de tempo. Quando falo de qualidade de tempo, falo que os pais precisam realmente se inserir, descobrir o que faz os olhos dos seus filhos brilharem. Se a criança gosta de videogame, por exemplo, a melhor coisa que você pode fazer é aprender a jogar junto com ela. E, assim, você pode monitorar para saber quais são os jogos que seu filho está jogando”, orienta o empreendedor Tertuliano Rodrigues Pereira, sócio-fundador da OrientCode, uma escola de programação e robótica.

O distanciamento entre pais e filhos foi tema de uma das mais de 40 palestras realizadas na Semana Nacional da Educação do Futuro, uma iniciativa da OrientCode. O evento, online e gratuito, ocorreu em novembro de 2018, mas as palestras continuam disponíveis no site: https://www.senaefu.com.br/

“Tivemos a participação de mais de 1.500 famílias assistindo as palestras e uma das coisas que tentamos mostrar é o distanciamento de pais e filhos e o que ele causa. O evento abordou que o uso racional e consciente da tecnologia, utilizando como ferramenta de educação e não de distanciamento, ela é muito importante. Agora, para a tecnologia servir de ferramenta de conexão, os pais precisam estar juntos, participando do processo”, ressalta Pereira.

Para ele, a melhor forma de monitorar os baixinhos é ser participativo. Segundo Pereira, os pais precisam dedicar tempo para ficar com os filhos. “O melhor monitoramento é desenvolver uma zona de confiança genuína. Agora, como os pais conseguem desenvolver isso? Fazendo junto. A melhor maneira de monitorar é dar confiança. É claro que existem vários aplicativos que fazem isso. Mas, para mim, a melhor forma de monitoramento é a conectividade. Seja o melhor amigo do seu filho, isso vai evitar muita coisa até na adolescência”, recomenda.

Estabelecer limite de tempo para usar os dispositivos móveis também é algo que deve ser estabelecido pelos pais, porém, não de maneira imposta. Pereira acredita que a melhor forma é argumentar e oferecer às crianças outras atividades. “Numa casa que tem criança, os pais têm de entender que precisam estar sempre pensando em atividade diferente para fazer com essas crianças. Coloque os filhos para interagir com as coisas. Ensine a parte de educação financeira. Mostre para as crianças como as compras são feitas no mercado. Faça programas para ter contato com a natura. Às vezes, a criança se lança no videogame porque não tem outras opções. E as famílias não estão muito preocupadas em criar opções, o que é muito importante”, completa.

YouTube Kids: o queridinho dos pais

Se você tem filhos com idade entre 4 e 7 anos, provavelmente já ouviu falar no YouTube Kids. Desenvolvido pelo YouTube, a aplicativo de vídeo fornece uma versão do serviço voltado para o público infantil. Aos pais, são disponibilizadas ferramentas para controlar e filtrar vídeos que não considerados adequados para a idade da criança.

Devido a essas funções, o aplicativo se tornou o queridinho de muitos pais, como é o caso da autônoma da Gislainy Volpi Candido, de 41 anos, mãe do Pedro Henrique, de 5 anos. Ela desinstalou o YouTube e deixou apenas a versão kids, justamente para poder bloquear o que a família não considera adequado para o menino. “Você coloca o desenho que você quer que apareça e bloqueia tudo o que você não quer. Achei bem legal, restringe bastante. Se a criança tenta entrar em um vídeo que não está liberado, aparece automaticamente uma continha de matemática que a criança pequena não vai conseguir fazer. E só é liberado com o resultado correto”, explica.

O auxiliar de comércio Leonardo Guidolin, de 27 anos, pai da Talita, de 4 anos, também utiliza o aplicativo. Um celular antigo foi entregue para a filha, que tem a permissão de assistir vídeos e brincar com jogos. “O que está liberado para ela é o YouTube Kids, que restringimos o tipo de vídeo ao qual ela tem acesso, além de jogos que nós escolhemos para ela. Todo e qualquer outro app é protegido por senha”, explica.

A arquiteta Kelly Thailla dos Santos David, de 28 anos, mãe do Vinícius, de 4 anos, também separou para o filho um celular mais simples e sem chip, após o pequeno acabar comprando um jogo enquanto mexia no aparelho móvel do pai. “Está liberado o Netflix, que tem um usuário dele, então é só infantil. O YouTube antes era liberado, pois nós colocávamos o que ele queria ver. Mas isso durou até eu perceber que ele ficava clicando nas imagens e chegava em outros desenhos que não eram adequados para idade dele. Então, desinstalamos e colocamos o YouTube Kids. Também baixamos joguinhos de corrida e carrinho, e não deixamos ele entrar no app para baixar mais nada!”, ressalta.

Quem também recorreu ao aplicativos de vídeo foi Viviane Soares Taliari, 31 anos, madrasta da Lanna, de 5 anos. Entretanto, a família estabeleceu limite de tempo para a menina ficar na internet. “Não deixo ficar o tempo todo no celular, falo que ela tem que brincar. Então, ela acaba ficando cerca de 1h por dia no celular. Como ela não tem rede social, acredito que é mais tranquilo. Penso que passa a ser mais perigoso a exposição na internet quando a criança tem a rede social, porque aí pode se comunicar com o mundo inteiro. Então, aí a família tem que ficar mais ‘em cima’. No momento, minha maior preocupação é ela se tornar materialista, porque ela não vê tanta graça em brincar, quer ficar no celular e depois fica pedindo brinquedo caro por ver propagandas”, reflete.

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