“Mãe, quanto é nine by seven?”. É assim que começa o dia da relações públicas Roberta Castro, que é mãe de Filippo, de 4 anos, considerado uma criança com altas habilidades (AH). “Ele tem apenas 4 anos e exige atenção e raciocínio lógico quase o dia inteiro. Me corrige em pronúncia de inglês e em operações de matemática como se fosse um professor mirim. Tem dias que me sinto muito mal em não poder acompanhar e ajudá-lo nesse crescimento tão fundamental para o perfil dele”, explica

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 3,5% a 5% da população brasileira é superdotada. Com base nessa estatística, estima-se que o número seja de 2 milhões de crianças em idade escolar. No entanto, de acordo com o último Censo Escolar 2020, apenas 24 mil delas possuem o diagnóstico de superdotação no país, enquanto 12 mil têm atendimento de educação especial.

Como esse perfil de criança exige um trabalho educacional mais dinâmico e, nem sempre, a família tem condições financeiras para atender essa demanda, Roberta tenta chamar a atenção das autoridades para o ‘desperdício de gênios’ no Brasil. Ela conta que aos 3 anos Filippo já sabia todas as cores, o alfabeto, falava inglês e diversas palavras em italiano. Ao matriculá-lo em uma escola, Roberta avisou a coordenação sobre esse diferencial e sentiu que foi ignorada.

“Ele demorou a se adaptar, teve dificuldades e a pandemia o afastou da escola um mês depois da adaptação. Até hoje eu mesma incentivo atividades em casa e conto com a ajuda de uma empresa de educação que cedeu uma professora para nos ajudar por algumas horas na semana. Preciso conseguir um colégio a altura do nível dele, mas não consigo financiar por conta própria”, desabafa. Com dois anos e meio, Filippo já conhecia e falava em inglês as letras, os números e as formas. 

A neuropsicopedagoga Mariana Casagrande, que é neuropsicóloga e diretora da Clínica Casagrande, de Santo André (SP), afirma que não existe uma regra em relação aos estímulos e acompanhamentos para crianças com altas habilidades/superdotação. A equipe multidisciplinar avalia cada caso e, então, encaminha para as intervenções necessárias, que são: processo de inclusão escolar, psicoterapia e orientação familiar.

Mas, afinal, o que é altas habilidades e superdotação?

De acordo com a neuropsicopedagoga Mariana Casagrande, pessoas que apresentam capacidade cognitiva acima de QI120, são consideradas com altas habilidades; e com a capacidade acima de QI130 são consideradas com superdotação. “Os dois termos estão certos e, normalmente, são usados juntos ‘pessoa com altas habilidades/superdotação’. Lembrando que a capacidade cognitiva normal/mediana é um QI entre 90 e 110”, afirma.

Essa capacidade deve ser comprovada com testes específicos e técnicos, aplicados por uma equipe multidisciplinar. A profissional destaca que é possível identificar a criança com altas habilidades desde seu primeiro ano de vida. “Essas crianças apresentam sempre uma maior facilidade no aprendizado, mesmo das coisas mais simples, e com o passar do tempo vai ficando cada vez mais perceptível essas capacidades. São crianças que aprendem rápido, de forma autônoma e desenvolvem habilidades muito antes do esperado para sua idade”, ressalta.

Apesar de existir testes cognitivos que podem ser aplicados em crianças a partir de 2 anos, é indicado que após os 6 anos a criança faça novamente o teste, pois a partir desta idade os padrões de avaliação são mais detalhados.

“É de extrema importância a realização dos testes adequados e do laudo diagnóstico, pois somente com ele a equipe pedagógica escolar, as terapeutas e familiares conseguem compreender o funcionamento dessa criança e com essas informações conseguem o auxiliar com melhor qualidade, pois ele poderá ser amparado nas áreas que necessita, estimulado em outros e motivado em outras”, afirma Mariana. Além disso, é a partir da emissão do laudo que a família passa a ter acesso às políticas públicas de auxílio, como inclusão escolar, amparo clínico (quando necessário) e direitos sociais.

O que diz a legislação sobre altas habilidades e superdotação?   

O conceito de altas habilidades/superdotação só passou a fazer parte da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que regulamenta a educação no país, em 2013. Naquele ano, foi promulgada a lei nº 12.796, que altera a LDB e estabelece “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Dois anos depois, em 2015, a lei 13.234 foi promulgada para tornar obrigatório identificar, cadastrar e atender estudantes com estas características. O Plano Nacional de Educação (PNE) prevê em sua quarta meta matricular todas as crianças de 4 a 17 anos com deficiências, transtornos de comportamento ou altas habilidades ou superdotação e oferecer atendimento especializado até 2024. Mas, segundo o observatório que monitora o andamento das metas, faltam pesquisas e indicadores que apontem se o objetivo está sendo cumprido.


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