Muito se fala sobre autoaceitação e a importância de gostar de si mesmo. Em uma sociedade que reforça padrões engessados de beleza, sentir-se feliz com a própria aparência – mesmo sem estar dentro do modelo que costuma ser exaltado – é quase uma revolução. Para que as crianças possam desenvolver uma boa autoestima e se amar da forma que são, a desconstrução da crença de que a pessoa só é bonita se fizer parte desses padrões precisa começar desde cedo. Mas qual é a melhor forma de falar sobre diversidade com os filhos? E como colocar isso em prática no dia a dia?
Para a psicóloga Dulcinéia Duarte, é necessário fugir do discurso de que “todos são iguais” e reforçar a importância da singularidade de cada um: “Nós somos diferentes, e isso não nos faz ter mais ou menos valor. A diversidade que existe entre nós vem da humanidade que carregamos, e isso não caracteriza desvantagem alguma – ao contrário: é enriquecedor”. Para que os pequenos percebam isso, alguns recursos podem ser utilizados com o intuito de mostrar a pluralidade que existe no mundo. “No processo de brincar, a criança também vai se construindo como ser social. Por isso, trabalhar a diversidade nos brinquedos é uma oportunidade para desconstruir padrões, tanto de aparência como de gênero”, explica. “Disponibilizar bonecas com diferentes características e etnias, por exemplo, além de permitir que seus filhos se enxerguem ali, mostra o quão diverso é o mundo e previne, também, que outros padrões sejam criados”.
Essa prática também pode ser aplicada ao apresentar referências na televisão, nos desenhos animados, nos livros infantis e no conteúdo consumido em geral. Dessa forma, a criança vai entendendo que ela faz parte da sociedade, assim como todas as outras pessoas, que são também diferentes entre si. A publicitária Juliana Braga reforça a importância dessa representatividade e conta como tenta trazê-la para o dia a dia da filha Sophia, de 9 anos: “Eu cresci com pouquíssimas referências negras em destaque, e é inacreditável que, mesmo após tanto tempo, a Sophia era a única aluna negra da escola. Então converso muito com ela sobre empoderamento, apresento artistas negros… um exemplo é no ballet, que ela ama, então acompanhamos também bailarinas negras”, conta.
Elogie – e não se limite à aparência
Valorizar as qualidades dos filhos, as atividades bem feitas e atitudes corretas, bem como o jeito que ele é fisicamente, é essencial para que a criança se sinta aceita e amada – e, consequentemente, para que ela se ame também. Seguindo o mesmo princípio, fazer comentários negativos sobre a aparência ou comparações com outras crianças pode ser muito prejudicial para o desenvolvimento. “Quando é feita uma comparação, a criança entende que a mensagem é ‘seja igual’, ou ‘seja melhor’, o que vai contra o princípio de valorizá-la pelo que ela é, em suas próprias particularidades; comparações não são justas, pois não consideram o contexto de cada um”, ressalta Dulcinéia.
Como agir diante de uma questão com a aparência?
“Certa vez, a Sophia quis ter cabelos ‘de princesa’, como prometia o comercial de determinado shampoo, que dizia que ficariam macios e cheirosos – mas que não mostrava nenhuma menina negra”, conta Juliana. Diante da situação, ela conversou com a filha para mostrar que a beleza existe em todas as diferenças: “Eu pedi para que ela tocasse no meu cabelo, no da avó e no dela próprio, e perguntei se ela conseguia ver que cada um era de um jeito: o meu era bem claro com cachinhos pequenos, o da avó era bem pretinho, com cachos maiores, e o dela era diferente do de nós duas. Ela disse que sim”, relembra a mãe, que continuou: “Depois, pedi que ela cheirasse o nosso cabelo, e ela disse que era muito cheiroso. Expliquei, então, que nós também temos shampoos que nos deixam como princesas, com cabelos macios, cheirosos e lindos, cada um do seu jeito. Foi assim que ela começou a não querer mais o cabelo liso como o do comercial”.
Entretanto, mesmo que os familiares trabalhem a diversidade em casa desde cedo, não é impossível que, no início da puberdade (fase em que eles procuram uma identificação maior com seus pares), os filhos demonstrem insatisfação com alguma parte do corpo ou com alguma característica de suas personalidades. Segundo a psicóloga Dulcinéia, se isso chegar a causar prejuízo e sofrimento para o jovem, esses são sinalizadores importantes de que é necessário contar com ajuda profissional. “O problema não é a pessoa apenas querer mudar alguma coisa na aparência, mas sim ela acreditar que essa é a única alternativa para ser amada ou aceita, e é isso que precisa ser trabalhado com um especialista: que ela veja que não precisa mudar para se encaixar – e que tem liberdade para ser como quiser”, finaliza.
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