Uma brincadeira que ensina sobre segurança, limites e autocuidado. Aposto que você incentivaria sua criança a experimentar uma vivência que trouxesse esses benefícios, certo? E se você souber que é brincando com fogo que seu filho (a) pode ter esses ensinamentos, você ainda sim estimularia ou ficaria com medo? Caso você fique com a segunda opção, saiba que está na hora de rever seus conceitos e permitir que os baixinhos possam explorar e sentir esse encanto da natureza.
“O fogo é um dos elementos da natureza que mais provoca encantamento nas crianças. Nós adultos ensinamos as crianças, desde bem pequenas, que não se pode mexer com fogo, que é para ficar longe… mas esse afastamento impede a criança de superar barreiras, vencer seus medos, conhecer seus limites e criar memórias. Para a criança ter autonomia ela precisa ser exposta a situações onde assuma a responsabilidade por si, e entenda até onde pode ir”, explica a educadora, empreendedora e economista Elisandra de Bona.
Para a produtora cultural Pollyanna Xavier, que é graduada em psicologia e especialista em clínica psicanalítica, brincar com elementos naturais, além de ensinar e ampliar o repertório da criança, mobiliza forças psíquicas. Sendo isso, impacta até mesmo na saúde mental e nas emoções. “O fogo, especificamente, mobiliza e trabalha forças relacionadas ao entusiasmo, ao calor, ao sistema metabólico. Além disso, demonstra para a criança que confiamos nela, estimulando sua autonomia e autoconfiança”, afirma.
De acordo com a pedagoga Ana Carol Thomé, que é idealizadora do @sercriancaenatural, esse é um assunto polêmico porque lida com a insegurança dos adultos. “Para mim, a importância de permitir que as crianças brinquem com fogo é ensiná-las a se relacionar com o fogo, a lidar com a situação de forma segura, ensiná-las sobre o próprio elemento. Ao brincar com a chama, ela está aprendendo sobre transformação da matéria, sobre calor, sobre processos químicos, físicos e biológicos, uma série de relações acontecendo aí”, pontua.
O que brincar com fogo pode ensinar para as crianças?
“Brincar com fogo não é perigoso, é arriscado. Risco é tudo aquilo que vamos passar por aquela situação e vamos ter uma aprendizagem”.
A frase é da pedagoga Ana Carol Thomé, que incentiva os pequenos a viverem essa experiência desde pequeninhos.
Entre os benefícios que essa brincadeira traz para as crianças, a educadora Elisandra de Bona cita a possibilidade de aprender sobre limites, já que se a criança avançar além do permitido ela podem se queimar, e se fizer movimento brusco pode machucar quem está próximo; atenção ao que acontece com seu corpo controlando os movimentos; e autoconhecimento e autocontrole. “É necessário lidar com emoções como medo, euforia, alegria, ansiedade. O fogo envolve e atraí, mas ao mesmo tempo pode machucar, é uma experiência potente”, enfatiza.
Segundo a produtora cultural Pollyanna Xavier, as brincadeiras com esse elemento também proporcionam acolhimento, iluminação, contemplação e aquecimento. Consequentemente, podem gerar sensação de cuidado e conforto. “Não à toa o fogo é utilizado em rituais diversos, em reuniões de partilha e comunhão. Ele atua intensamente sobre a vontade, fortalecendo-a, acendendo-a, já que ele aquece e clareia. Lembremos, por exemplo, do Mito de Prometeu, que roubou o fogo dos deuses para os mortais, que se tornaram, assim, mais poderosos que os outros animais”, completa.
Brincadeiras com fogo para você se inspirar e se divertir com as crianças
São inúmeras as possibilidades para tornar a brincadeira com fogo mais presente no dia a dia das crianças. Você pode começar com uma sugestão simples e prática, feita pela pedagoga Ana Carol Thomé: ao começar a escurecer, não acenda a luz. Opte pelo uso das velas!
“Ao invés de acender as luzes elétricas, que a gente possa acender velas, fazer jantares a luz de velas, contar histórias à luz de velas ou simplesmente parar para ver a vela queimando. Isso é algo que faço com crianças a partir de 2 anos na escola, mas na família pode ser um hábito adotado desde sempre”, sugere.
Outra brincadeira indicada por Ana Carol é pingar velas coloridas em recipientes com água. “Para crianças pequenas sugiro bacias maiores. Use velas compridas, aquelas velas palitos, e fale para a criança pegar na ponta da vela. Acenda a vela, coloque na horizontal e pingue na bacia com água. De preferência, faça com velas coloridas para ir formando desenhos”, orienta.
A educadora e empreendedora Elisandra de Bona também recomenda brincar com as crianças de derreter giz de cera com velas, que lembra também a brincadeira de velas “Você vai precisar de um recipiente de metal cheio de água, velas e giz de cera. Acenda uma vela, pegue o giz de cera e aproxime da chama, aos poucos ele vai derretendo e pingando a cera colorida na água. Fica muito legal se usar várias cores de giz, assim as gotas ficam bem coloridas, depois proponha para que identifiquem que formatos surgiram na bacia, bichinhos, objetos, surgem conversas riquíssimas”, explica
Mais uma atividade brincante proposta por Elisandra é fazer uma fogueira, sendo que o tamanho do fogo depende do espaço aberto que você possui. “Prepare o espaço para acender o fogo, sem nada que possa queimar ao redor, como galhos secos, folhas, etc. Precisa ser em um espaço limpo”, afirma Elisandra. Depois, faça um círculo com tijolos ou pedras para proteger as crianças, caso aconteça de sair alguma brasa da fogueira. “Prepare o fogo junto com as crianças. Convide alguma criança maior para acender o fogo, e depois é só curtir, eles ficam encantados contemplando as chamas”, orienta.
Outra diversão que pode ser feita com na fogueira é queimar ervas aromáticas. “Peça para que as crianças peguem da horta/jardim ervas aromáticas como lavanda, sálvia, funcho, alecrim e coloque no fogo. Imediatamente, elas percebem o perfume exalado pelas ervas queimando, é uma delícia”, conta Elisandra.
Além das brincadeiras com o próprio elemento fogo, como fogueiras, lanternas e velas, a produtora cultural Pollyanna Xavier acredita que é possível trabalhar as forças mobilizadas pelo fogo com brincadeiras em que sua força está presente. “São interessantes as brincadeiras de luz e sombra, como bichinhos com as mãos, teatrinho de sombras; as lanternas tanto a pilha, quanto com velas; fazer fogãozinho e comidinhas em fogareiros; assar legumes ou milho na fogueira, ou até espetinhos no fogão; bombinhas e traques; histórias de medo à beira da lareira ou à luz de velas”, lista.
Para Pollyanna, é essencial oferecer essas possibilidades às crianças para que elas possam fortalecer a vontade, a coragem, a confiança e, ainda, sentir o calor e o acolhimento.
Quais cuidados os adultos devem ter ao permitir que a criança brinque com fogo?
De acordo com a produtora cultural Pollyanna Xavier, é importante sempre supervisionar, orientar e, quando preciso, acompanhar de perto as crianças, principalmente as menores. “As crianças sempre devem ser esclarecidas sobre quais brincadeiras só podem ocorrer com a presença de um adulto”, ressalta.
A produtora ainda lembra que cada criança tem seu ritmo de desenvolvimento e deve ser desafiada e estimulada a ir superando limites, adquirir novas habilidades e responsabilidades. “O adulto deve avaliar quando a criança poderá riscar sozinha um fósforo, ou manejar uma vela, por exemplo. É fundamental que ela sinta que o adulto observa e percebe seu desenvolvimento, que reconhece suas possibilidades e lhe dá autonomia e liberdade”, acredita.
Para a pedagoga Ana Carol Thomé, os adultos precisam sentir-se confiantes para executar a brincadeira. Por isso, ela sugere que os responsáveis testem sozinhos primeiro a atividade para já saber quais materiais serão necessários e as melhores formas de organizar e estruturar a proposta.
Como medida de segurança, Ana Carol sugere aos pais e mães para prender o cabelo das crianças e levantar a manga da blusa. “Converse com as crianças tratando como gente, não falando ‘para não chegar pertinho’, não coloca nada no diminutivo. Fala como se você estivesse falando para um amigo seu. Explique por que ele deve ter cuidado para chegar perto do fogo e porque ela não pode colocar a mão. Quando a gente compartilha essas situações com a criança, a gente a coloca também como responsável por cuidar da sua própria segurança”, enfatiza.
Mãe compartilha experiência vivenciada com os filhos
A publicitária e estudante de pedagogia Érica Diarte é mãe de dois meninos: Enzo, de 9 anos, e Caio, de 6 anos. Idealizadora da conta @caicaibalaoeducacao, no Instagram, Érica conta que uma das brincadeiras de fogo preferidas dos garotos é a construção coletiva de fogueira.
“O primeiro passo é a coleta de materiais, que sempre vira uma caça ao tesouro. Tão importante quanto a montagem da estrutura em equipe, é saber diferenciar os materiais molhados dos secos para que de fato a brincadeira aconteça”, explica.
Depois, com o fogo aceso, começa o momento de contemplação com as crianças. “Então, é hora de contar histórias, cantar músicas e aquecer marshmallows para a comilança, uma brincadeira que além de encantadora é deliciosa!”, ressalta.
Érica acredita que ter cautela é sempre fundamental quando o assunto é criança. Porém, a publicitária acredita que a autonomia e a liberdade também são essenciais para o desenvolvimento infantil. “Na brincadeira com fogo é preciso que o adulto esteja sempre presente, não com grandes restrições, mas sim como um parceiro de brincadeira que dialoga sobre o respeito e o cuidado com as labaredas. Sem a permissão dos adultos, é possível que crianças curiosas se arrisquem brincando com fogo escondidas”, afirma.
Ainda de acordo com Érica, outro ponto que merece atenção por parte dos adultos é a organização do espaço. “É preciso se atentar para não aproximar materiais que propaguem o fogo como: plásticos, papéis, tecidos e etc”, completa.
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