Há mais de um ano, quando as escolas fecharam as portas para tentar conter o avanço do vírus pelo país, o cotidiano das crianças mudou drasticamente. Em questão de dias, elas precisaram se adaptar para uma imersão na tecnologia. As aulas passaram a ser remotas, a conversa com os amigos migrou para o celular e até mesmo o contato com muitos familiares passou a ser por chamado de vídeo. Sem dúvida, as diversas possibilidades tecnológicas foram a salvação para continuar estudando e uma alternativa para manter a capacidade social. Mas não há como negar que esse mais de um ano de vivência online mudou, e muito, a rotina das crianças.
Um levantamento realizado pela empresa Bark, utilizada por pais e escolas para monitorar o uso da internet das crianças, registrou um aumento de 144% no número de mensagens virtuais, tanto em redes sociais quanto e-mail, que as crianças enviaram e receberam em 2020, comparado com o ano anterior. E essa nova realidade tem preocupado as famílias.
De acordo com um estudo do Pew Research Center, 63% dos pais e mães com filhos em idade escolar estão atualmente mais reflexivos com o tempo que as crianças ficam na tela do que antes da pandemia. Mais da metade dos entrevistados afirmou se preocupar com a capacidade de os filhos e filhas conseguirem manter os amigos (as) e estabelecer outras relações sociais. Outra tensão é com o bem-estar emocional dos pequenos.
Todas essas inquietações geradas devido ao cenário pandêmico têm fundamento. Segundo a psicopedagoga clínica e institucional Carolina Figueira, que também é educadora parental certificada em Disciplina Positiva, a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria, embasada em recomendações da própria Organização Mundial da Saúde, é de que crianças entre 2 e 5 anos não ultrapassem mais de uma hora diária na frente das telas, e que crianças acima de 5 anos fiquem no máximo duas horas por dia.
“Infelizmente, algumas escolas, mesmo de Educação Infantil, têm mantido as crianças durante toda a manhã ou tarde assistindo aulas no computador. Além das alterações comportamentais que são mais facilmente observáveis, como agitação e irritação, o uso prolongado de telas tem sido responsável pelo aumento da incidência de miopia nas crianças”, afirma Carolina.
Para a profissional, não há como negar a atual necessidade do uso de telas, tanto para as relações interpessoais quanto para os estudos. Porém, sua utilização deve ser moderada e com pausas regulares. Afinal, a intensa vivência online pode ser prejudicial para a crianças, confirme enfatiza a professora e psicopedagoga Verena Batista R. Santos.
“A meu ver, o impacto foi maior na educação infantil. Crianças muito pequenas, já com o prejuízo da falta da socialização com a professora, amiguinhos e todo o contexto escolar, sendo imersas de forma ‘obrigatória’ na frente da tela por um período X de horas e, muitas vezes, com cuidadores em casa que não sabem fazer a mediação correta da aprendizagem”, pontua.
Como agir com a mudança de comportamento da criança pelo excesso de tela?
Irritação, ansiedade, tristeza e crises de choro são algumas das mudanças de comportamento que as famílias têm observado nas crianças desde o início da pandemia. Somado a isso, muitas ainda estão cada vez mais resistentes para manter o ensino online, o que deixa pais e mães aflitos.
“Acredito que essa aparente irritação e desconforto que as crianças vêm demonstrando nas aulas online se deva ao fato de que é contra o desenvolvimento natural de uma criança ficar durante horas sentada em frente a um computador assistindo alguém transmitir lições”, afirma a psicopedagoga e educadora parental Carolina Figueira.
De acordo com a profissional, principalmente na primeira infância (que vai até os 6 anos), a aprende por meio da relação do seu próprio corpo com o ambiente em que está inserida, e com as pessoas que dividem esse espaço.
“Logo, tanto a ausência do contato físico com o mediador quanto o caráter estático dessa atividade são contraproducentes para a aprendizagem infantil. Em primeiro lugar, tanto escola quanto família precisam trabalhar a motivação da criança para essa atividade; a atividade remota precisa parecer tão prazerosa quanto o trabalho presencial, na medida do possível”, pontua,
Sendo assim, Carolina recomenda incentivar as atividades que trabalham todo o corpo, incluindo processos em que a criança participe ativamente da construção do aprendizado, recorrendo sempre à ludicidade.
Para a professora e psicopedagoga Verena Batista R. Santos, é importante que a família esteja atenta às limitações das crianças e acolha seus sentimentos. “É preciso tentar se aproximar ao máximo das emoções deles e sempre conversar da necessidade e importância do aprender, porém nunca forçar com punições para que a criança sente e assista a aula. Sem conexão afetiva, não há aprendizagem alguma. Algumas escolas, inclusive, estão com disciplinas com apoio psicológico, trabalhando as ansiedades, os medos e todas as emoções que estamos sentindo de forma exacerbada nesse momento”, completa.
Famílias precisam estar conectadas presencialmente com os filhos
Se passar um tempo de qualidade com os filhos e/ou filhas já era importante e recomendado antes mesmo da pandemia, agora é ainda mais fundamental. Para auxiliar as crianças a enfrentarem todos os atuais desafios, como a saudade da escola e dos amigos, pais e mães precisam estar presentes.
“É fundamental dedicar tempo para se divertir em família, longe dos eletrônicos, e tentar assim suprir um pouco da saudade dos amigos e familiares que não moram juntos. Sentar-se no chão para montar lego ou quebra-cabeças, jogar jogos de tabuleiro, dançar juntos, cozinhar são ótimas atividades para aliviar a tensão que estamos vivendo e aumentar a conexão familiar”, recomenda a psicopedagoga e educadora parental Carolina Figueira.
Segundo a professora e psicopedagoga Verena Batista R. Santos, pais e mães devem buscar a conexão genuína com os filhos por meio do diálogo. “Converse sobre seus sentimentos. Quando os pais, se mostram também vulneráveis, mostram que estão também tristes, ansiosos , tendem a aproximar mais os seus filhos deles. Eles sentem que não estão sentindo ‘algo estranho’ sozinhos. E os pais se humanizam”, sugere.
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