“Mulher é mesmo mais delicada”. “Mulher leva jeito para essas coisas”. “Mulher é mais carinhosa, mais cuidadosa”. Somos mesmo, em essência, ou aprendemos a ser? Nesse caso, há quem defenda que há aptidões natas. Há quem defenda que essas habilidades associadas ao masculino e ao feminino são uma construção, quase que imposição, social. Os brinquedos, as brincadeiras, os estímulos que nós mulheres recebemos nos levam à prática do cuidado ao próximo, da casa, da família. Estimuladas, desde cedo, nos tornamos, em maioria, mais “delicadas”, mais “jeitosas”, mais “afetuosas” do que os homens. Não seria uma herança genética, mas um estímulo social. Tendo para essa teoria. Enquanto nós recebemos uma série de brinquedos que nos conduzem à administração do lar e ao cuidado dos filhos, os meninos ganham noções espaciais. Enquanto eles jogam bola e brincam de carrinho, testam seus limites no faz-de-conta de super-herói, descobrem as profissões com martelos e serrotes, enfim, recebem uma outra carga de estímulos, nós ninamos uma boneca. Como “homem não chora”, muitos apresentam uma dificuldade enorme para demonstrar sentimentos. Como “homem não brinca de boneca”, muitos ficam mesmo “sem jeito” e, quando se fala em cuidados com o bebê, parecem não servir para muita coisa.   Sentada ao volante, a mulher tende a ser mais cuidadosa, cautelosa, preocupada com a segurança. Desde cedo, aprendeu a cuidar do outro, a zelar pelo bem-estar de todos a sua volta. Ao volante, o homem tende a ser mais ousado e ter sim mais noção espacial. Desde cedo, ele exercitou mais sua lateralidade, explorou o espaço, cruzou com a bola pelo campo, correu e freou com muito mais frequência que a média das meninas. Então propaga-se a ideia de que “as mulheres dirigem mal”. Caminha na mesma vertente o mito de que as mulheres tendem paras as carreiras da área de humanas e os homens para as de exatas.  As salas das faculdades de engenharia estão sempre abarrotadas de meninos, com algumas poucas alunas. Não é uma questão de estereótipo “a mãe jeitosa” e o “pai trapalhão”, é uma questão de estímulo. Em tempos de divisão de tarefas familiares, de equidade de gênero, de maternidade compartilhada, os estímulos precisam começar a mudar e nós, mulheres, precisamos ajudar a educar os maridos perdidos que nunca ninaram uma boneca. Alguns papais, talvez, nem se lembrem, mas tenham pedido uma boneca de presente ou tenham gostado de brincar de casinha com as primas e irmãs, quem sabe, não havia alguém sempre dizendo que aquilo não era “coisa de menino”.   As expectativas em relação à paternidade sempre foram muito baixas. Até hoje, os banheiros masculinos não têm trocador de fraldas. Em viagem ao Rio de Janeiro, meus dois pequenos estavam com diarreia. Meu marido queria trocar um dos meninos, mas não havia trocador no banheiro masculino nem banheiro família, enfim, não havia a menor expectativa de que o homem viesse a precisar trocar uma fralda. Viajando sozinho para o Rio de Janeiro com meu filho mais novo, meu marido disse ter ficado torcendo para não precisar fazer uma troca de fraldas. Em shoppings e demais locais públicos, essa realidade não é muito diferente. Historicamente o cuidado que os homens deveriam prestar a seus filhos estava relacionado ao prover e ao brincar. Os tempos mudaram, mas a arquitetura dos prédios não, logo os papais precisam aprender a trocar fraldas nos lugares mais inusitados. Falamos sobre trocadores em banheiros femininos, mas poderíamos falar sobre licença paternidade, auxílio berçário para homens etc etc. Ninguém espera muito do “pai que ajuda”.   Como encaixar nesse imaginário coletivo desatualizado, os pais solteiros, os pais divorciados, os viúvos, os pais homossexuais, ou seja, os pais, homens, que assumem totalmente a responsabilidade de educar uma criança, sozinhos ou com seus companheiros? Amor de pai e amor de mãe não se medem. Os cuidados que cada um está disposto a oferecer ao seu pequeno também não. Conheci mães apaixonadas por seus filhos inseguras para ofertar o banho ao pequeno recém-nascido. O pai, nessa situação, tomou coragem e foi em frente. 90% das visitas à escola são feitas por mulheres que encaminham suas opções preferidas aos maridos, que, então, agendam uma visita, antes de fechar a matrícula. Gostaria, porém, de ressaltar os 10% de homens, solteiros ou não, que visitam a escola, fazem a adaptação dos filhos, acompanham a alimentação, anotam recado na agenda, preparam a mochilinha, enfim, estão totalmente fora do estereótipo do “homem sem jeito”. Quando a gente ama, a gente aprende, a gente cuida, a gente tem tempo. Isso vale para homens e mulheres.  Lembro de uma amiga me contar que havia entrado em crise com o marido, porque sempre que ele tentava fazer algo pelo bebê, ele fazia tudo “errado”, ela se irritava e precisava fazer tudo novamente. Diante da inabilidade do marido, surgia a irritação, a frustração e o cansaço, porque ela acabava tendo que dar conta de todos os cuidados com o bebê. Com o nascimento do filho, havia nascido uma mãe-leoa. Só ela era capaz de escolher a roupa “certa”, dar o banho “corretamente”, oferecer “bem” a comidinha. Apesar do desejo de exercer a paternidade, o pai estava sempre à margem. Sem conseguir delegar, minha amiga estava sobrecarregada, estressada e cansada, porque ninguém sabia cuidar da bebê como ela, nem mesmo o pai. Aceitar ajuda é também um tabu entre nós, mães. Dizemos que adoraríamos ter alguém para “olhar” o bebê um instantinho, mas, logo depois, reclamamos de todos os cuidados que foram ou não prestados. Como “mãe é mãe”, acreditamos que somos insubstituíveis nos cuidados com nossos filhos e, então, irritação, cansaço, estresse, crise na vida pessoal. Infelizmente, como uma geração de meninos não foi estimulada a desenvolver certas habilidades, nós, mulheres, precisamos ter paciência e, algumas vezes, ensinar, para que possamos efetivamente compartilhar responsabilidades.   É enorme a responsabilidade daqueles que educam os meninos. Essa responsabilidade inclui esclarecer comportamentos masculinos inadequados (assobiar para mulher na rua, associar vestimenta à consentimento), garantir autonomia (limpar, lavar, cozinhar), explorar sentimentos (chorar, discutir emoções) e, claro, ensinar a cuidar do próximo. Educando hoje os meninos, teremos pais que participam ativamente do cuidado e da educação de seus filhos, sem a impressão equivocada de que estão apenas ajudando, sem maiores compromissos. Todas as discussões atuais sobre o espaço da mulher em sociedade formaram meninas muito mais conscientes, com expectativas maiores sobre seus futuros e sobre seus companheiros (as). O enredo da princesa no castelo ainda faz sucesso, mas ficou preso à primeira infância. As meninas sonham em ingressar na universidade, construir carreira, viajar, morar sozinha e, quem sabe, quando a vida estabilizar, casar e ter filhos. Nossos meninos precisam ser preparados para essa mulher que não se dedica exclusivamente aos cuidados do lar, para essa mulher que espera muito mais que suporte financeiro da pessoa com quem irá compartilhar a vida. A “boa moça” de hoje tem outro perfil, o “bom partido” também. 
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