Corta, descasca, lava, cheira, mede, pica, mistura, espera, cozinha, assusta, guarda, limpa. São tantos verbos em um mesmo ambiente que é inevitável comparar a cozinha a um laboratório de experiências – e muitos aprendizados. Por isso, segundo a nutricionista Patrícia França, especialista em alimentação saudável para famílias, pais e mães devem usar esse lugar “meio mágico” da casa a seu favor, envolvendo as crianças no preparo das refeições da família e, assim, além de indivíduos mais colaborativos, com hábitos alimentares mais saudáveis, eles formam pessoas que também adquirem aprendizados para a vida toda: desde saber sobre proporções e simples pesos e medidas, transformações químicas e físicas até como praticar a paciência, resolver problemas (de um ingrediente que acabou, por exemplo) ou lidar com a frustração de uma receita que não deu certo.
A brasileira Erika Sakamoto, mãe de Aline e Daniel vive na Nova Zelândia e sempre usou a cozinha para estimular os filhos a participarem da rotina da casa e exercitarem suas habilidades psicológicas, manuais e cognitivas. “Aqui é comum as crianças participarem de todos os deveres da casa. A Aline, de 7 anos, leva e busca o lixo de casa pra rua. Daniel, de 3, arruma a mesa pra gente comer e separa os ingredientes das receitas. Sempre fazemos bolo ou pizza nos finais de semana e deixo eles cortarem, picarem, temperarem, descascarem, quebrarem ovos. Eles se divertem e vejo que também aprendem muito” afirma.
Para Patrícia, Erika está corretíssima, já que o aprendizado informal e espontâneo na cozinha acontece de forma mais leve e prazerosa, sobretudo se em companhia dos adultos da família ou amigos. “A gente liga as emoções ao momento agradável – é uma boa lembrança, isso marca nosso cérebro e a gente leva isso para a vida. Tem que ter alguma emoção envolvida ao ato de cozinhar e alimentar-se”, afirma a especialista, que é mãe de duas meninas e sabe bem como funcionam os pequenos na cozinha. “Mostro o feijão antes de ir para a panela: a cor, o cheiro, a consistência. Depois dele sair da pressão, observamos o grão de novo e vemos a “mágica” que aconteceu. Tudo se torna fascinante!”.
Por isso, separe um tempo para levar seus filhos à cozinha. A bagunça pode ser grande, é verdade – mas os ganhos para eles serão ainda maiores. Confira, a seguir, algumas das habilidades que as crianças desenvolvem em meio a pratos, facas e panelas.
– Matemática
Medir, pesar, diluir: tudo isso envolve números, proporções e contas. Como dobrar uma receita? Como medir 1 litro de leite com copos? Se aumento a farinha, quanto de fermento devo acrescentar? De questões simples e mais complexas, a cozinha, sem duvida, exercita o pensamento matemático e muita noção lógica.
– Física e química
Existe coisa mais mágica que ver um bolo “crescer” pela ação do fermento, ou um legume duro como a mandioca virar um purê lisinho e delicioso? Pois isso tudo envolve noções de processos físicos e químicos – e servirão para a criança observar, com os próprios olhos, transformações de matéria, quando submetida a ação mecânica, de calor, de frio, etc.
– Resolução de problemas
O ovo acabou, a massa secou, a cenoura estragou. Tudo isso nos frustra e nos cria pequenos problemas – e o aprendizado é justamente em resolvê-los! “A cozinha é um ótimo lugar para criança aprender a resolver desafios simples e saber lidar com a frustração porque a gente sabe que nem sempre o bolo dá certo. A criança vai aprender a lidar com isso e a mãe também vai aprender a lidar com a frustração do seu filho”, afirma Patrícia. Todo mundo sai ganhando. A dica da nutricionista é, em vez da mãe dar solução, ela convidar o filho a pensar junto. “E aí, como é que nós vamos fazer agora? Você tem que achar um substituto para esse frango. Será que dá para a gente usar outra coisa? Atum, quem sabe?”.
– Amor próprio
O conceito de que cada receita é única e raramente ela vai ser idêntica a anterior ensina muita coisa: sobretudo, o valor de ser diferente, de apreciar que cada um tem seu valor. “A ideia da criança produzir algo único, naquele momento, que não vai se repetir nunca mais, é um aprendizado bem legal e valioso”, afirma Patricia.
– Servir o outro
Na mesma linha do amor próprio, o ato de cozinhar pode transmitir valores de altruísmo e doação. Patrícia explica que, na preparação dos alimentos, “as crianças aprendem que elas não cozinham só para elas, quando se vive em família. Além disso, deixe a criança ter o prazer de servir um prato que ela fez. Porque a cozinha é isso: a gente consegue dar um pouquinho de nós aos outros através da comida.”
– Alimentação saudável
A criança que vê os alimentos sendo preparados desde o começo – lavados, manuseados, preparados, transformados – acaba desenvolvendo uma relação mais íntima e saudável com eles, afirmam os especialistas. E isso vai se refletir numa melhor alimentação para toda a vida.
A nutricionista Cátia Medeiros, especialista em Fitoterapia e Nutrição Esportiva, assim como atendimento Gestacional e Pediatria concorda. “A criança aprende com exemplo e não com a imposição. Elas são bastante observadoras e “copiam” aquilo que enxergam e vivenciam. Então, se esta criança viver em um ambiente onde todos tenham uma alimentação desregrada, inadequada, aos poucos ela irá deixando de lado os bons hábitos iniciados e vai preferindo o consumo do que o restante da família consome e com isto, se tornará cada vez mais complicado reintroduzir verduras, legumes e frutas, por exemplo.”
Por isso, ela sugere: invente preparos chamativos, monte pratos coloridos. Vale até colocar formatos diferentes no corte e montar pratos com desenhos que agrade a criança. “E sempre, sempre, tenha alimentos variados e saudáveis em todas as refeições”, conclui a especialista.
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Como e por que envolver as crianças na cozinha?