Ser pai e mãe de apenas uma criança ainda é um tabu para a sociedade, que acredita que um único filho cresce mimado, dependente e solitário. Entretanto, especialistas afirmam que os dilemas que envolvem a decisão de ter um único filho ou optar por aumentar a família vão muito além dos receios fantasiosos de que a criança terá seu desenvolvimento prejudicado por não ter um irmão ou uma irmã. Ao ponderar essa possibilidade, já parou para pensar que pode ser mais relevante refletir desde as questões financeiras até as emocionais?

Para a educadora parental Lua Barros, crianças demandam um equilíbrio entre razão e emoção, e apenas o desejo de ter mais um filho não sustenta o desafio que existe ao deixar a família crescer. “A gente sempre ouviu o ditado ‘onde come um come dois’ e acho que de alguma forma isso construiu nossa ideia sobre a família que aumenta, uma esperança de que as coisas se ajeitam. E apesar de acreditar nisso por um lado, um outro lado meu me chama para a razão e para análise real sobre a situação econômica em que estamos. Diante de um desgoverno, a possibilidade de sonhar com um futuro para os filhos, nos é roubada e isso precisa ser levado em consideração”, afirma.

Ainda de acordo com Lua, que administra a conta @luabarrosf no Instagram, a disponibilidade emocional também deve ser um ponto observado pelo casal. “Um segundo filho, terceiro, quarto filho, bagunça as estruturas de quem já faz parte da família e é preciso ter isso muito claro: cuidar das emoções desse filho mais velho muitas vezes é mais cansativo do que balançar um bebê recém-nascido. Então, uma conversa honesta sobre essa habilidade de se repartir, antes de multiplicar o amor”, pontua.

Lua ainda destaca a importância de o casal dialogar sobre as demandas e tarefas que surgirão com a nova dinâmica que surgiu quando a família aumenta de tamanho. “É muito comum que a mãe acumule funções que ela não precisa lidar sozinha”, completa.

Já na opinião da psicóloga e psicopedagoga, Gabriela Luxo, que administra o perfil no Instagram @dialogopositivo, é comum os pais sentirem dificuldade para elaborar esses questionamentos e, consequentemente, acabam transferindo no filho a necessidade de ter um irmão. “O primeiro passo é pensar no que eles querem para eles mesmos, para essa família. Afinal de contas, existem famílias com vários filhos e que as crianças não sabem brincar, são mimadas e são até mesmo solitárias dentro de uma família grande, porque existem irmãos que não foram estimulados a dividir. Então, acabam se tornando mais competitivos. O que é meu e o que é do outro? O que é necessidade minha”, questiona.

 Filho único convive com a solidão?    

Para a educadora parental Lua Barros, não é real a construção que existe sobre a solidão do filho único, assim como não é garantia de que ter irmãos é ter companhia para toda a vida. “Um filho único não divide recursos, nem emocionais e nem financeiros. Então, ele está disponível para abraçar o mundo, para agregar pessoas na sua jornada. Os irmãos precisam dividir tudo, desde o nascimento e isso, pode gerar uma necessidade de garantir seu espaço e consequentemente, uma maior individualidade”, afirma.

Lua ainda ressalta que não há necessidade alguma de sentir pena de uma pessoa que não tem irmão ou irmã. “Pensar assim coloca nessa criança mais velha a responsabilidade de receber, acolher e ainda ser amigo de alguém que ela nem conhece. Um adulto não pode deixar decisões de adultos nas mãos de crianças. Está tudo bem ela sentir falta de ter alguém para brincar, é legítimo. Isso não significa que ela precise de um irmão. As relações que ela faz na escola, no parquinho, na vizinhança podem ocupar esse lugar tranquilamente”, pondera Lua.

A criança mais velha ainda precisará da sua atenção    

De acordo com a psicóloga e psicopedagoga Gabriela Luxo, há casais que acreditam que a criança mais velha aprenderá algumas questões comportamentais com mais facilidade a partir da chegada de um irmãozinho. Entretanto, não é isso que ocorre na prática.

“Os pais acreditam que quando chegar esse segundo filho, tudo já estará pronto. Então, eles acreditam que a criança se tornará mais empática e aprenderá a dividir automaticamente. Mas isso não acontece. Essas crianças precisam de um adulto sendo exemplo, estimulando, supervisionando e orientando como elas vão desenvolver essas habilidades. Os pais vão ensinar de qualquer forma, seja um ou sejam dois”, esclarece.

A profissional acredita que é limitador pensar que a criança não terá um desenvolvimento integral apenas por não ter um irmão ou irmã. “Você consegue desenvolver também essa criança levando para ter contato com outras crianças, em um parque, na escola e na própria família com outros parentes. Precisa pensar no emocional dessa criança ou dessas crianças que estão envolvidas e quanto esses pais estão preparados para dar atenção dupla e ter esse trabalho duplo. É uma responsabilidade”, enfatiza.

Segundo Gabriela, a principal fase de desenvolvimento para a aquisição emocional ocorre até os 6 anos. Por isso, o primogênito ainda precisará de um olhar atento para a construção solidificada desta base. “Mesmo tendo um segundo filho, eu não posso dar atenção só para o segundo e deixar esse primeiro de escanteio, porque ele está passando por um processo muito importante de desenvolvimento. Então, tudo é dobrado”, reforça.

Decisão entre ter um filho único ou aumentar a família diz respeito apenas ao casal

Esqueça a opinião dos familiares e dos amigos. A escolha entre ter apenas uma criança ou ter mais de um filho é única e exclusivamente do casal. Por isso, sente e converse com seu companheiro ou companheira. 

“Parece clichê, mas muitos casais não conversam, não expõem seus pontos de vistas e isso faz falta, principalmente para ter uma relação positiva depois com essa criança. É importante sentar e pensar como vai essa relação e como será a rotina”, recomenda a psicóloga e psicopedagoga Gabriela Luxo.

Dica de podcast   

O último episódio do podcast Calcinha Larga, que está disponível no Spotify Brasil, traz reflexões sobre ter um único filho. No bate-papo, Camila Fremder, Helen Ramos e Tati Bernardi conversaram com a skatista Karen Jonz e respondem ao questionamento: “Um filho é pouco?”.

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