Se os adultos estão tensos e ansiosos diante dessa pandemia, o que dizer das crianças? No entanto, ignorar e evitar o assunto e fingir que está tudo bem pode ser ainda pior. A saída, afirmam os especialistas,  é responder às perguntas que vão surgindo, sempre falando a verdade – de forma adaptada a cada idade. Isso vai dar segurança aos pequenos e evitar que o vírus – já assustador – não vire um monstro na cabeça delas.

Filtrar e explicar as notícias dizendo sempre a verdade – sem, no entanto, exagerar no volume de informações – é a recomendação de especialistas para enfrentarmos esses dias de tanta ansiedade e mudanças na vida de adultos e crianças, causadas pelo alastramento da Covid-19. A doença, que vem causando morte e pânico ao redor do mundo, surgiu na China no final de 2019 e já chegou a 120 países. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 168 mil pessoas já foram infectadas por ele, causando 6.6 mil mortes no mundo. Na terça-feira, 17 de março, o Brasil registrou 234 casos de Covid-19 – e o primeiro óbito, no Estado de São Paulo.

Diante de uma situação nunca antes vivenciada e um clima de tensão e ansiedade com uma pandemia mundial, pais e mães se veem confusos sobre como – e quanto – explicar para as crianças, sem, no entanto, deixá-las desesperadas. Em entrevista para o Jornal O Estado de São Paulo, a doutora em psicologia e educação pela USP e pós-doutora em psicologia clínica Ilana Katz afirma que é preciso, antes de tudo, escutar as crianças e saber o que ela elas já tem de informação. Depois,focar no que ela está perguntando para, então, saber o que ela precisa saber, sempre dizendo a verdade. “Deve-se tomar cuidado para não esconder e fingir que está tudo bem. É uma pandemia. Mas não devemos assolá-los de informações com as quais eles não saberão lidar.”

Dra. Janine Domingues, PhD em Psicologia Infantil do Child Mind Instituto (ONG americana que cuida de crianças com saúde mental e distúrbios de aprendizado)  também recomenda tato – além de honestidade e calma – para passar as informações do Coronavírus para os pequenos. 

Veja as outras dicas que a instituição dá aos pais:

Não tenha medo de falar sobre o Coronavírus. Muitas crianças já ouviram falar sobre o vírus ou viram pessoas usando máscaras –  então os pais não devem evitar o assunto. Não falar sobre isso pode fazer com que as crianças se preocupem ainda mais. Aproveite a oportunidade da conversa para comunicar os fatos e estabelecer um tom de segurança. Seu objetivo é ajudar as crianças a terem informações baseadas em fatos – isso é muito mais tranquilizante do que escutam de amigos ou estão vendo na TV.

Adeque a conversa à idade do seu filho. Não dê informação demais, já que isso pode ser muita coisa para as crianças processaram de uma só vez. Em vez disso, tente responder às dúvidas que vêm dos seus filhos – honesta e claramente. Não se preocupe se você não pode responder a tudo; estar disponível é o que mais importa agora. 

Para o Estadão, Ilana Katz endossa essa dica: A gente não explica as mesmas coisas para todo mundo, do mesmo jeito.” Então, adapte seu discurso de acordo com a sua audiência. 

Pegue as dicas do que dizer com seu próprio filho. Pergunte para ele tudo o que ele ouviu sobre o Coronavírus  e como ele se sente. Deixe ele fazer perguntas. Prepare-se para respondê-las. Seu objetivo é evitar que os medos e fantasias aumentem. 

Lide com sua própria ansiedade. Quando você estiver se sentindo mais ansioso ou mesmo em pânico  não é o melhor momento para falar com seus filhos. Se você está se sentindo ansioso, acalme-se antes de falar com as crianças e responder às duvidas delas. 

Seja tranquilizador. Crianças são muito egocêntricas, então ouvir sobre o Coronavírus na TV pode ser suficiente para deixá-las muito preocupadas de que elas serão contaminadas.  Tranquilize seu filho sobre o quão raro o Coronavírus é e que as crianças tem sintomas fracos.  

Foque no que você está fazendo para manterem-se seguros. Um jeito de dar segurança é enfatizar as precauções que você está tomando.  Jamie Howard, PhD e psicólogo do Child Mind Institute, afirma, “As crianças sentem-se empoderadas quando sabem o que fazer para manterem-se seguras e protegidas”.  

Não saia da rotina. “Não gostamos de insegurança, então manter-se com rotinas fixas e  ter previsibilidade pode ajudar muito neste momento” aconselha Dr. Domingues.  Isso é ainda mais importante quando a escola ou creche do seu filho foi fechada. Planejar o dia  – com horários para as refeições e de ir para cama – é essencial para manter as crianças felizes e saudáveis. 

Continue conversando. Fale às crianças que você irá falando o que você for sabendo. “Avise que a comunicação entre vocês está aberta”, afirma Dr. Domingues. “Você pode dizer, ‘Mesmo que nós não tenhamos todas as respostas para tudo agora,  saiba que assim que a gente souber mais, a mamãe ou o papai vão te contar tudo, também”.

 

Uma oportunidade para explicar o que é o coletivo, a cidadania e a responsabilidade com o outro

Com 500 milhões de crianças e jovens fora da escola e das universidades, segundo a UNESCO (A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), é impossível que as famílias não tenham que se reorganizar e, com isso, a vida das crianças não seja afetada. Como são vetores importantes de contaminação para uma população muito mais suscetível, esse é um momento importante, segundo Ilana, de falarmos com as crianças sobre não apenas cuidar-se, mas cuidar dos outros – de quem amamos e de quem nem mesmo conhecemos. “Essa é uma discussão fundamental sobre como a gente cuida e se responsabiliza pelos outros. A saúde é uma experiência coletiva. Essa é a oportunidade de a gente lembrar que a criança é cidadã. Ela faz parte da nossa experiência política de ocupação das cidades.”

 

E quando não temos respostas?

E quando as perguntas dos pequenos vão adiante do nosso conhecimento? Como surgiu esse vírus? Quanto tempo isso vai durar? Isso vai acontecer de novo? Posso brincar no parquinho do prédio ou andar no parque?  Para Ilana Katz, essa também é uma excelente oportunidade para as famílias ensinarem – e aprenderem com – seus filhos. “É muito valioso a gente não saber junto com a criança. E nada mais interessante do que mostrar o que a gente faz quando a gente não sabe.” Aí, sugere a educadora, é hora de chamá-las para pensar com a gente. Testar ideias, pensar soluções, ver alternativas. “Estamos diante de um problema gigante – e novo. Não dá para proteger as crianças de uma pandemia – é delirante achar que vamos vetá-las disso. Também não é para desesperá-las , nem dar aula de virologia, mas acompanhá-las na construção das dúvidas e na produção das respostas. Vamos juntos!”

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