Lançado em 1937, o filme “A Branca de Neve e os Sete Anões” foi um marco para os filmes de animação. A principal personagem do longa-metragem é considerada a primeira princesa do império Walt Disney, que ao longo dos anos lançaria outros diversos filmes com princesas estereotipadas, como a Cinderela e a Bela Adormecida.
“As histórias com princesas clássicas são do século 19. O mundo mudou muito, mas as princesas continuam. Essas princesas clássicas continuam sendo adoradas pelas meninas. Atualmente, temos princesas novas desconstruídas, mas essas clássicas estão aí, ainda muito forte”, ressalta a psicóloga feminista Lavínia Palma, especialista em psicologia clínica, em entrevista para Rose Scalco, que administra canal Justiça de Salto Alto, no Youtube. O conteúdo completo está disponível na íntegra aqui.
Ao blog Family Center, Lavínia ressaltou que a maioria das princesas clássicas da Disney são apresentadas como belas, doces e bondosas. “Além de terem sua aparência física valorizada, elas geralmente são meninas frágeis e recatadas, que são salvas por um príncipe belo e corajoso”, pontua. Ao ser consumido pelas meninas, esse tipo de conteúdo acaba atuando como modelo e referência sobre o que é ser uma garota, ‘ditando’ até mesmo o que elas devem desejar.
“Meninas crescem entendendo que ser bonita, considerando que o conceito de beleza é estabelecido pela cultura, e ter um relacionamento amoroso são as coisas que elas devem almejar”, ressalta.
De acordo com a comunicadora Cila Santos, criadora do Militância Materna (@militanciamaterna), a mitologia das princesas tem uma carga simbólica ruim para a formação das meninas. “Primeiro que é um símbolo ligado a ideia de monarquia, sendo de partida elitista e racista, dentro do que conhecemos. Em seguida, a princesa é um arquétipo perfeito para a formação da mulher ideal para uma sociedade misógina: ela representa uma mulher cujo status quase sempre gira em torno de uma figura masculina, como ser filha de um rei e/ou ser a futura esposa de um rei, e sua melhor evolução é ser rainha, cuja única função é dar filhos ao rei”, explica.
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Qual a mensagem que os clássicos de princesas transmitem para as crianças?
Em entrevista para Rose Scalco, que administra canal Justiça de Salto Alto, no Youtube, a psicóloga feminista Lavínia Palma, especialista em psicologia clínica, problematizou a mensagem que os principais clássicos de princesas da Walt Disney deixa para as meninas. Confira o que as histórias ensinam para as crianças:
A Branca de Neve e os Sete Anões
O primeiro clássico de princesa, caracterizou a Branca de Neve como uma mulher bela, recatada e do lar, de acordo com Lavínia. “Ela é uma mulher jovem, bonita e serve os anões. Ela faz todo o trabalho doméstico para eles, sem receber nada por isso, e ela faz feliz e cantando. Ela cuida de tudo e ela está muito plena”, exemplifica.
Além dessa problematização, traz ainda a rivalidade feminina, onde a Branca de Neve e a madrasta “disputam” a beleza, na busca de quem é a mais bonita. “Ou seja, uma menina tem que se preocupar sempre em ser bela. Esse é o principal atributo de uma mulher”, afirma. Ao final, ela também é salva por um príncipe.
A Bela e a Fera
Lançado originalmente em 1991, A Bela e a Fera traz uma personagem branca, jovem e bonita. “Todas as princesas são bonitas e brancas. Isso já é um problema, porque diz que mulher tem que ser branca, jovem, magra, cabelo liso de preferência e a maioria loira”, pontua,
Nesse clássico, há ainda a abordagem de uma situação de cárcere privado. “A Fera aprisiona a Bela e nos dá a ideia de que, mesmo que tu case com um homem feio ou malvado, se tu for uma boa esposa, tu vai transformá-lo, tu vai transformá-lo num príncipe”, afirma.
Sendo assim, Lavínia acredita que a mensagem sugere que as mulheres são as principais responsáveis pelo sucesso de um relacionamento. “E isso é muito recorrente nos dias de hoje ainda. A maioria das mulheres se sente culpada quando algo não vai bem no relacionamento”, acrescenta.
A Pequena Sereia
Também produzida pela Walt Disney, essa animação foi lançada em 1989. Segundo a psicóloga feminista, o filme traz uma temática bastante problemática, uma vez que a Ariel, personagem principal, troca a voz dela em função de um relacionamento.
“A gente tem um silenciamento dela, ela perde a voz. Ela tinha a voz e perde para estar com um homem. Traz o silenciamento da mulher para o bem estar da relação. Isso é uma questão muito importante para se pensar”, pontua. Lavínia ainda completa que, na Pequena Sereia, vale tudo pelo casamento. “Ou seja, ela larga a vida dela, ela larga a família dela, ela perde a voz, mas valeu a pena porque ela casou”, explica.
A Bela Adormecida
O filme de 1959 tem a princesa Aurora como personagem principal, que é salva por um príncipe. Porém, a maior problematização ainda pode ser por conta do beijo sem consentimento, já que ela estava adormecida.
Rapunzel também, ela é sequestrada e é salva por um príncipe. Cinderela também tem a questão da rivalidade entre as mulheres com as filhas da madrasta e ela casa com um príncipe sem conhecer ele.
Mas, então, crianças não devem consumir conteúdos de princesas?
Para a comunicadora Cila Santos, criadora do Militância Materna, não é necessário e nem possível evitar completamente as crianças de conhecerem as histórias das princesas. “O que é possível é não alimentar essa narrativa ou contrapor-se criticamente a ‘posturas de princesa’, que tem muito mais a ver com conter-se, subalternizar-se, simular uma delicadeza que não possui, mostrar um interesse desmedido com aparência e etc, e oferecer contrapontos”, orienta.
Entretanto, Cila ainda lembra que a “indústria das princesas” atualmente possui personagens com histórias melhores, como Moana, Valente e até mesma a Elza. “Não adianta também transformar isso em um assunto proibido, uma vez que os conteúdos midiáticos estão aí e, invariavelmente, vão ser consumidos em algum momento pelas crianças. Mas é possível trabalhar uma criticidade para os seus conteúdos”, recomenda.
Quem também compartilha dessa opinião é a psicóloga feminista Lavínia Palma, especialista em psicologia clínica, que administra a conta no instagram @psicologalavinia. “A nossa cultura valoriza as princesas, em todos os lugares, e as crianças têm acesso fácil aos diversos meios de entretenimento. Além do que a escola e a comunidade participam de alguma forma na educação e socialização de nossos filhos. A nossa cultura é machista, sexista e racista. Não temos como blindar totalmente nossas crianças disso, mas precisamos mostrar a elas que essas violências existem”, ressalta.
Por isso, um caminho saudável é conscientizar e incentivar as crianças a terem um pensamento crítico. “O diálogo deve sempre existir, os pais devem conversar sobre o que eles entendem como saudável e adequado. Desta forma, a criança terá clareza sobre os valores de sua família, e os valores do mundo externo, da cultura. Os princípios adotados pela família deverão estar internalizados nas crianças para que elas saibam discernir o que faz sentido para elas ou não”, afirma.
Lavínia ainda completa que não há problema em uma menina gostar de princesa, desde que ela tenha a oportunidade de conhecer e entender os pontos problemáticos da história.
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