Inúmeras teorias tentam explicar um comportamento cada vez mais notado – e preocupante – nas crianças do mundo todo: a ansiedade. Antes restrita aos adultos, a questão alastrou-se, nos últimos anos, às rodas de conversas de pais e mães – ansiosos, vejam só –  com a ansiedade de suas crianças. 

Os números são mesmo alarmantes. A estimativa é que, só nos Estados Unidos, das 74,5 milhões de crianças, 17,1 milhões tem ou já tiveram alguma desordem de saúde mental – número maior que o grupo de crianças com câncer, diabetes e AIDS juntos. Outro dado importante é que metade das doenças mentais ocorrem antes dos 14 anos, e 75 % até os 24 anos. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil lidera o ranking de ansiedade na população: 9,3% da população manifesta o quadro. Essa disfunção engloba várias outras, como ataques de pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, fobias e estresse pós-traumático.

Os motivos, segundo especialistas, são muitos, mas estão especialmente ligados ao ritmo frenético com o qual pais, mães, professores e toda a sociedade está vivenciando.  A impressão geral é que as crianças já chegam ao mundo inundadas por muitas informações, recebendo estímulos de todos os lados e, desde muito pequenas, já são expostas a uma avalanche de atividades, expectativas e cobranças muitas vezes inalcançáveis. 

”As crianças, principalmente, que estão vivendo em famílias pós modernas, com pais mais ansiosos que correm o dia todo, trabalham muito e têm pouco tempo e disponibilidade para eles, sentem uma pressão para realizar suas tarefas fora do seu próprio tempo. De forma mais acelerada que o natural. Os adolescentes, por sua vez, estão sofrendo com as mudanças na forma de se relacionar, ditada pelas mídias digitais. Como usam excessivamente a internet, estão expostos a inúmeras telas e uma enxurrada de informações – tudo isso contribui para gerar ansiedade”, avalia Ana Beatriz Bozzini, médica pediatra especializada em Medicina de Adolescentes (Hebiatria).

Mas, afinal, o que é ansiedade?

O termo ansiedade é, muitas vezes adotado em qualquer condição em que o indivíduo expresse imediatismo, nervosismo e preocupação. Mas, a rigor, deve ser empregado com precaução, sobretudo quando relacionado ao comportamento de uma criança.  “Ansiedade infantil geralmente é aplicada para descrever o Transtorno de Ansiedade Generalizado (TGA), caracterizado pela preocupação crônica e excessiva da criança em várias áreas da sua vida – nas atividades escolares, nas interações sociais, familiares, na sua própria saúde e segurança, e até em relação às catástrofes naturais –  com pelo menos um sintoma somático associado, acompanhado de sofrimento emocional” explica a Dra. Ana Beatriz. 

Mas, além do TGA, existem outros tipos de desordem que podem atingir as crianças. Segundo a Associação de Ansiedade e Depressão da America (Anxiety and Depression Association of America), dentre eles estão: 

Pânico – diagnosticado quando seu filho sofre de pelo menos dois ataques inesperados de ansiedade, seguido de pelo menos um mês de preocupação em ter outro, de perder o controle ou “ficar louco”.

Ansiedade da separação – natural dos 18 meses aos 3 anos em crianças que sofrem ao perder os pais de vista – e logo se distraem e param de chorar. No entanto, se a criança é mais velha e ainda sofre excessivamente para ir a escola ou casa de amigos, merece atenção. É mais comum entre os 7 a 9 anos e afeta cerca de 4% das crianças.

Ansiedade social – caracteriza-se pelo medo intenso de situações sociais e atividades como ser chamado pelo professor durante a aula ou iniciar uma conversa com uma colega. 

Mutismo seletivo – crianças que se recusam a falar em situações onde isso é esperado ou necessário. Podem ficar paradas sem expressão, enrolar o cabelo com os dedos, ou evitar olhar nos olhos do interlocutor. 

Fobias – medo intenso e irracional de um objetivo específico (como cachorro, agulha, etc) ou de uma situação, como voar. Podem estar relacionado à altura, tempestades, animais, água, sangue, escuro e procedimentos médicos. 

Para mais informações, acesse: https://adaa.org

 

O que fazer?

Mas como detectar se a ansiedade das crianças está passando dos limites saudáveis e precisa de maior atenção ou até intervenção profissional? “Sintomas que não tem causa orgânica devem ser olhados com critério, pois podem expressar algum desconforto emocional que deve ser investigado”, afirma Dra. Ana Beatriz. 

Além disso, deve-se estar aberto e ouvir e buscar entender as aflições dos pequenos. “Fala-se tanto em conversar com as crianças, mas esquecemos que é preciso escutá-las. Elas dão sinais, e muitas vezes, apresentam sintomas. Prestar atenção ao sofrimento, ao que ela está querendo dizer e intervir o quanto antes consultando o pediatra ou um profissional da saúde mental é essencial” complementa a pediatra.

Alguns sinais podem dar pistas mais concretas de que seu filho precisa de ajuda. São eles:

Insônia

Preocupação excessiva

Agitação 

– Uma mudança de comportamento significativa – por exemplo, passou a ser extremamente tímido

–  Dores físicas constantes, sem causa orgânica aparente – dores de cabeça, abdominal, etc.

Aparecimento de doenças de pele – muitas vezes podem ter causas emocionais

Desenvolvimento de manias – como lavar a mão, abrir e fechar portas repetidas vezes, etc.

Uma vez notados, esses comportamentos podem ser indicativos de que a criança pode estar sofrendo e não conseguindo controlar seus medos e preocupações sozinha – que é, justamente, quando precisa de um auxílio profissional. “A ansiedade na criança sempre merece ajuda, nem que seja para uma intervenção pontual e breve no ambiente. No entanto, quando há sintomas físicos, sofrimento psíquico significativo, prejuízo no funcionamento social ou ocupacional – como nas atividades escolares –  merece uma atenção mais especializada.”

Medo sob controle

A engenheira Iris Viotti sabe bem disso – e viu como a ajuda profissional pode beneficiar muito a vida da criança. Sua filha, Isabel, hoje com 7 anos, sempre teve uma personalidade mais cautelosa e reservada, tanto nas relações quanto nas brincadeiras. Mas, foi em uma viagem que Iris percebeu que os medos e a insegurança estavam tomando uma proporção muito grande e interferindo no comportamento da menina. “Isabel teve uma crise quando precisou se separar de mim e do pai para fazer uma aula de esqui sozinha, onde não tinha feito amiguinhos ainda. Tudo era muito diferente e isso despertou um desespero que tomou conta dela. Gritava em pânico que não conseguiria ficar ali. Vi que ela não estava conseguindo controlar o seu medo e, sua insegurança como antes. E me preocupei.”


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Na volta ao Brasil, a mãe procurou ajuda de uma psicóloga quando notou, também, que a filha começou a ter medo de ser esquecida na escola e de se perder dos pais. “Ela sempre teve um traço de insegurança e sempre a estimulamos a desafiar seus medos e fazer pequenos avanços, no seu tempo. Mas percebi que sem uma ajuda profissional eu não saberia como agir”, narra a mãe.

A psicóloga, então, sugeriu que Bel fizesse duas caixas – uma, pequena, de preocupações, e outra grande, de alegrias. “Ela ia colocando desenhos em cada uma e percebeu que tinha muito mais coisas felizes e legais que medos e preocupações. Isso ajudou muito a dar a proporção ao problema e enfrentá-lo.”

Outra técnica usada para dar segurança à ela foi a mamãe fazer um desenhinho na filha antes de sair para a escola – um coração na palma da mão ou uma flor na barriga. E toda vez que ela sentisse muitas saudades, ela veria o desenho, lembraria do carinho da mãe, se sentiria amada, segura e se acalmaria. “Tudo isso, aliado às sessões de brincadeiras e conversas, deram um ótimo resultado.  Ela ficava mais segura indo para escola, vendo, nela, um símbolo do meu cuidado e amor por ela.”

Os pais, satisfeitos, comemoram os avanços da pequena. “Fico feliz de ter percebido que algo não estava bem e ter levado a Bel logo para ter ajuda. Foi um trabalho mais preventivo, mas que com certeza trouxe enormes benefícios para ela, que faz pequenos progressos dia a dia, muito mais confiante que antes: já desce sozinha para o parquinho do prédio e conseguiu pela primeira vez dormir na casa de uma amiguinha.”

 

Como tratar?

A pediatra Ana Beatriz explica que, dentre as alternativas mais comuns de tratar a ansiedade nas crianças estão a psicoterapia psicodinâmica (que visa modificar a dinâmica intrapsíquica e familiar), a TCC ou Terapia Cognitivo Comportamental e até mesmo tratamento farmacológico (com uso de antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos de receptação de serotonina, benzodiazepínicos, entre outros). 

As terapias, independente do formato, são guiadas por um psicólogo ou psicanalista, e abordam de forma lúdica e adequada à idade do pequeno, as questões que ele tem.  Ao contrário do que se pensa, não necessariamente duram meses ou anos a fio – dependendo do caso, os ajustes podem ser feitos em algumas sessões pontuais, em que criança e seus pais recebem o auxílio do profissional e aprendem técnicas para lidar com o problema em casa. 

Além das formas mais tradicionais, inúmeros estudos já foram realizados a fim de encontrar maneiras de diminuir a tensão de crianças ansiosas. Há pesquisas que asseguram que um cachorro na casa, por exemplo, pode tornar o ambiente mais relaxado e, assim, colaborar com um clima mais ameno. Pediatras são unânimes em afirmar que exercícios físicos são também uma boa saída para a tensão, já que estimulam a produção de endorfina no corpo dos pequenos. Meditação, música e técnicas de massagem e relaxamento também são usadas em todo o mundo até mesmo com bebês. O contato com a natureza também reduz, significativamente, o nível de preocupação e ansiedade das crianças.   

Mas, observam, nada surte mais efeito que a atenção dos pais ao problema – e paciência ao lidar com ele. Segundo o Child Mind Institute,  instituição não lucrativa que se dedica a transformar a vida de crianças e famílias sofrendo com problema de saúde mental, divulgou uma lista com dicas para ajudar os pais a auxiliarem os  filhos a escaparem do ciclo de ansiedade. Confira:

  1. O objetivo não é eliminar a ansiedade, mas ajudar a criança a gerenciá-la;
  2. Não evite coisas só porque elas causam ansiedade à criança;
  3. Expresse expectativas positivas – mas realistas;
  4. Respeite os sentimentos da criança, mas não os empodere;
  5. Não faça perguntas sugestivas como “ você está preocupado ou ansioso com a prova?”;
  6. Não reforce os medos do seu(sua) filho(a);
  7. Encoraje a criança a tolerar sua ansiedade;
  8. Tente manter a espera pequena. Por exemplo, se seu filho tem medo de ir ao médico, deixe para avisá-lo apenas pouco antes de chegar ao consultório;
  9. Pense em soluções para os problemas que causam stress junto com seu filho;
  10. Tente dar exemplos saudáveis de como lidar com a ansiedade.


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Ansiedade na sala de aula

Com pais cada vez mais ocupados e atarefados com suas questões de carreira, finanças, família e problemas do dia a dia, muitas vezes a ansiedade dos pequenos acaba sendo detectada pela escola. 

Os danos da ansiedade para o desenvolvimento escolar chegam rápido, com queda nas notas, nos relacionamentos com os colegas ou, mais a longo prazo, com uma falta de confiança, ânimo e pouco aproveitamento da escola. “O aluno ansioso não retém, aprende ou vivencia a matéria no total, no seu potencial. Ele está sempre preocupado, fica inseguro com a prova que ainda está por vir e não aproveita a aprendizagem como poderia.”, conta Ana Carolina Leandro, que é professora de Biologia do 9º ano em uma escola nos Estados Unidos.

A docente afirma que lidar com mentes ansiosas dentro da sala de aula já faz parte da sua rotina, sobretudo por dar aulas para estudantes do primeiro ano de High School – uma fase de transição que, claro, vem carregada de medos e cobranças.  “Consigo detectar sinais de que algo não vai bem com um aluno quando noto uma certa obsessão em estudar tudo o tempo todo e você vê que o comportamento é exagerado – isso é o medo de falhar, de não conseguir notas excelentes. No outro extremo, há alunos que, de tão preocupados em falhar, preferem se calar e não participar nunca. Não se sentem seguros, então ficam quietos”, relata.

Para ela, o principal é estar atento a mudanças de comportamento e, sempre, oferecer ajuda. “A primeira coisa que faço e chamo o aluno e converso, pergunto o que está acontecendo ,se eu posso ajudar. Nem todos se abrem,  mas só de saberem que alguém se importa, que as pessoas estão notando e que podem contar comigo, já ajuda. Esse suporte é extremante importante para o aluno: dependendo do estado que ele está, ele quer ser notado mas ele está tão no fundo do poço que não pede ajuda. Você estender a mão faz diferença, traz um bem-estar a ele.”

 

Outros sinais aos quais o professor deve ficar atento:

– Um aluno que vai se fechando, que nunca participa

– Queda no desempenho acadêmico. As notas caem, começa a atrasar as entregas de trabalhos

– Aluno perguntando agitada e repetidamente a mesma coisa

– Aluno que começa a faltar

– Metas pouco realistas (como tirar 10 em todas as atividades)

A saída, educadores e pediatras concordam: a parceria entre família  e escola. Ambos devem se ajudar para dar total apoio à criança e fazer com que se sinta segura e acolhida. “Parceria é tudo. A gente precisa dos pais para preencher os lacunas e entender aquele comportamento e saber como agir. O que os pais, por sua vez, podem fazer para minimizar a ansiedade  é não colocar tanta pressão sobre as crianças e adolescentes. Limites e consequência são importantes de se ensinar, mas cobrar em exagero do filho torna a escola uma neurose. A nota não pode vir antes da saúde mental do seu filho”, pontua a professora.


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