A primeira gestação tende a promover mudanças mais lentas no corpo da mulher. Os músculos da barriga se dilatam pela primeira vez, demoram a se mobilizar e, por isso, a barriguinha tende a demorar a aparecer. Algumas mulheres, por biotipo, custam mais a exibir os clássicos sinais físicos da gestação. Nessa fase, a mãe sofre nas filas preferenciais, tentando empinar uma barriguinha quase imperceptível. “Nossa, mas nem parece que está gravida…”. “Você está comendo direito? Sua barriga está muito pequenininha”. “Que barriguinha… seu bebê deve ser pequenininho”. A expectativa de ostentar a barriga, de desfilar a gravidez aumenta ainda mais com a fala de quem não se contenta em celebrar e precisa comentar. Associar o tamanho da barriga à saúde do bebê ou da gestante é trabalho do médico. Vale poupar a mamãe de perguntas sugestivas e conclusões infundadas.

Blindar nosso emocional da opinião alheia é muito difícil, em especial quando se é inexperiente, quando se está fragilizada e com medo. Medo de que a barriguinha pequena seja mesmo um mau sinal, de que não sentir o bebê mexer seja um mau presságio. Os comentários das mais experientes (sogras, mães, irmãs, amigas etc) nos atinge como uma bala. Cada gestação está carregada de momentos tão íntimos, peculiares e pessoais que é quase impossível afirmar com certeza “sei bem o que é isso”. A primeira vez que senti meu filho mexer, ninguém mais podia sentir. Na minha barriguinha tão imperceptível, crescia alguém que dava claros sinais de sua existência. Contei para todo mundo que o bebê havia mexido, ninguém podia sentir, ninguém podia ver, mas ele havia mexido. Isso bastava. Era um primeiro contato entre mim e o meu Bento. Tão diferente do primeiro contato que tive com o meu Joaquim. Não importa o que digam, cada gravidez é única e especial.

Nosso corpo reage diferente à cada gestação. Na segunda gravidez, o corpo já experimentou o crescimento, a acomodação do feto, e a barriga aparece mais rápido. “Nossa, que barriga enorme!”. “Deve ser um bebezão, será que vai conseguir parto normal?”. “Será que é mesmo um bebê só?”. “Gente, mas você deve estar mesmo comendo por dois”. “Vai ser difícil recuperar a forma depois heim…”. E, então, bate o desespero de nunca mais vestir a calça jeans preferida, o vestido especial, de nunca mais deixar de parecer grávida. Os hormônios, as incertezas, a sabedoria popular, os comentários, tudo parece querer desviar o foco da mágica que está acontecendo em nosso corpo. São tantas mudanças acontecendo ao mesmo tempo que, muitas vezes, nós mesmas não conseguimos perceber.

Passei boa parte da minha gestação preocupada com a amamentação, com as mudanças que os meus seios deviam ou não apresentar para indicar que amamentar seria tranquilo, que eu teria leite suficiente. Meus seios nunca cresceram muito. No dia em que meu filho nasceu, a enfermeira pressionou meu mamilo, mostrando como fazer a pega corretamente, e o leite simplesmente apareceu. Contrariando o que diria a sabedoria popular, apesar dos seios pequenos, sempre tive bastante leite. Algumas mulheres, por outro lado, apesar dos seios fartos, têm dificuldade para amamentar. A ansiedade da expectativa desvia nosso olhar do presente, do que realmente está acontecendo, meu corpo já se preparava para o momento da amamentação, ainda que eu mesma não tivesse percebido.

A gravidez promove muitas mudanças silenciosas: barrigas pontudas, barrigas redondas, quadris mais largos, centro de gravidade alterado… O crescimento do feto e todas as mudanças que nele ocorrem fogem ao nosso controle, não há como acelerar, desacelerar ou, em muitos casos, alterar o processo iniciado. “Sua barriga está pontuda, vai ser um menino!”. “Sua barriga está muito redonda, vai ser uma menina”. “Está com azia, porque o bebê é cabeludo”. Quando a previsão caminha ao encontro do sonho, tudo certo! Mas, quando a previsão conflita com o desejo, ouve-se um “vindo com saúde, está ótimo”. O maior sonho de toda mãe é mesmo uma gravidez saudável. Fora isso, melhor não arriscar palpites sobre o que está por vir, sob risco de frustrar o pai ou a mãe, ou os avós. Enfim, melhor deixar a ciência decifrar se é menino ou menina.

“Você tem quadris largos, vai ser uma ótima parideira”. Lembro-me de quantas vezes ouvi essa frase. Bom, ao menos, seria esse um bom presságio. Por fim, meu parto demorou, pasmem, 28 horas. Meus quadris largos podem até ter ajudado, mas não conseguiram fazer de mim o que os populares chamam de “boa parideira”. Minha segunda gestação foi bem atribulada, muito trabalho, meu primeiro filho foi hospitalizado, zero atividade física, alimentação pouco saudável, enfrentei, porém, um parto mais rápido, 16 horas. Não me entendam mal, com certeza, seguir a cartilha dos médicos aumenta e muito as probabilidades de uma gravidez saudável, de um parto mais tranquilo. Na hora H, a cartilha ajuda, os quadris largos nem tanto.

“Nossa! Você está linda grávida! Gravidez de menino é assim mesmo, gravidez de menina é que acaba com a gente…” Há grávidas que amam o novo corpo, o barrigão, os seios que, muitas vezes, se ampliam. Há ainda aquelas que ficam aterrorizadas com a ideia de um umbigo saltado, com a possibilidade de uma estria ou outra, com o inchaço dos pés e das pernas. Seja menino ou menina, as mudanças acontecem e, nem sempre, temos controle sobre elas. Responsabilizar o gênero do bebê pela queda de cabelo, pela insatisfação com o próprio corpo é injusto. A sabedoria popular tem dessas, a gente é que não pode ter.

Existe um status embutido nas frases: “minha agenda está lotada”, “hoje tenho um dia cheio”, “não tenho tempo agora”. Andar sério e apressado pelos corredores do trabalho confere ainda mais importância e maior status para o conceito usual de “bem-sucedida”. E se todos esses compromissos resultarem em alta remuneração, melhor ainda. Porém, na verdade, quando nossas atividades passam a se sobrepor às cordialidades e à atenção que as relações humanas precisam ou estamos gerindo mal o nosso tempo ou precisamos rever nossa lista de prioridades. A líder- a gestora sempre ocupada que não tem tempo para ouvir seus colaboradores, tomar um café com sua secretária ou interagir com seu time terá, certamente, dificuldades para exercer sua liderança.

O mesmo acontece quando justificamos uma série de ausências e vazios na educação de nossos filhos, pois o trabalho ocupa toda a nossa agenda. A mãe que trabalha se sente culpada. Por mais que a gente tente enxergar o orgulho que nossos filhos terão de nós e a contribuição financeira para a família, existe uma carga de culpa enorme em nós, mães. E essa culpa, às vezes, nos faz ceder quando deveríamos educar, nos faz sentir vergonha por não estarmos a par da rotina do filho, nos faz responsabilizar os outros pelos erros de nossos pequenos.  Afinal, quando nosso filho “cria problema”, o problema vira nosso e a gente ganha mais uma coisa para fazer.

Empresárias, líderes, chefes, mães são também gestoras de suas vidas, responsáveis pela organização de seu próprio tempo e de suas prioridades. Perder a reunião da escola, a apresentação de Natal, a visita ao pediatra, tudo isso é supernormal, e costuma não deixar traumas para ambas as partes. Mas perder tudo, todas as vezes, passa a ser sinal de má gestão do tempo, ineficiência e quase um descaso.

Ninguém deveria posar de mãe ocupada, de cara séria pelos corredores da casa, sem tempo para um café da manhã com os próprios filhos. Chique mesmo é dar bom dia, cumprimentar, acolher mesmo estando na correria do dia a dia.

Todos queremos acreditar que as mães que trabalham estão fazendo sim, o seu melhor. Ou não? Parece cenário da década de 30, mas ainda existe uma certa rivalidade entre as mães que trabalham e as que se dedicam exclusivamente à casa. As mulheres que estão no mercado de trabalho tendem a acreditar que as outras “só pensam em futilidades”, “não fazem nada o dia todo”, “não tem papo”, são “menos interessantes” e, de alguma forma, em uma suposta “escala da mulher moderna”, são inferiores. Por outro lado, as chamadas “do lar” acreditam que as mulheres que trabalham “deixam seus filhos largados”, são “péssimas mães”, “não vivenciam a maternidade” e são “workaholics”. Ainda falta um bom tanto de sororidade para que a gente consiga rivalizar menos e empoderar mais. Afinal, “lugar de mulher é onde ela quiser”, pode ser atrás do fogão ou da mesa do escritório, sem nenhum juízo de valor.

Recentemente, no Twitter, uma celebridade de apenas 15 anos respondeu a um fã: “Competição feminina é retrógrado, não é inevitável como pensam. É só reeducar os pensamentos, só isso…”. Senti vontade de abraçar essa menina! E senti pena dos meninos de 15 anos, em sua maioria, tão despreparados para lidar com a próxima geração de mulheres. Estamos caminhando bem, mas um bom tanto de sororidade ainda se faz necessária. Hoje, as meninas de 15 anos já estão antenadas. Estamos todas cansadas das culpas e das desculpas. Uma frase dessas de rede social, de autor desconhecido, ficou na minha cabeça: “É preciso ser mulher por muitos anos para desaprender as coisas pelas quais ensinaram você a se desculpar!”. Pelo que temos visto, cada vez menos anos são necessários para as meninas entenderem certas dinâmicas. Tenho trabalhado muito para que meus filhos, Bento e Joaquim, consigam acompanhar essa nova geração de mulheres em formação.

Uma amiga me contou uma história em que, no meio de uma discussão, o marido havia dito a ela: “Você não se diverte e não quer que eu me divirta”. Na mesma época, recebi um texto sobre como os homens priorizavam suas agendas em detrimento de tudo, filhos inclusive, e o quanto isso deixava a nós, mulheres, cansadas. Quem já ouviu um “Mas você é mãe”, sabe bem do que estou falando. Ao mesmo tempo, em meio a todos esses relatos, me perguntei: “o que me diverte?” e “Por que aquilo que me diverte nunca se torna uma prioridade real?”. Por fim, o marido da minha amiga tinha razão. E eu disse isso a ela. Se ele conseguia achar tempo para se divertir, por que ela não conseguia?

Nós mulheres somos educadas para cuidar, para servir, para colocar o outro (filho, companheiro, companheira) em primeiro lugar. Como se o outro fosse nossa única e exclusiva responsabilidade. Desenvolver um hobby, ter uma atividade de lazer regular, nem que seja jogar videogame (por que, não?) não é algo comum no universo feminino. Precisamos encontrar “a pelada com os amigos”, “o poker das sextas-feiras”, sem culpar aqueles que encontraram. Como as frases da internet substituíram aquelas de para-choque de caminhão, cito um clássico ensinamento das redes sociais: “faça mais o que te faz feliz”. Ter tempo é o único luxo que vale a pena ostentar.

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