Nada mais devastador para um pai ou mãe que saber que seu filho sofre ou sofreu algum abuso, sobretudo o sexual. A raiva, revolta, asco, vergonha e até medo são sentimentos que vêm à tona e confundem adultos e crianças sobre como agir e reagir. Mas uma coisa é certa: mesmo diante de um assunto tão desconfortável, o melhor a se fazer é se informar: ler, conversar, perguntar e acima de mais nada, orientar os menores para que possam evitar – ou se proteger quando o perigo se acercar, já que os números de casos, no mundo, são alarmantes. No Brasil, o Disque Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) atende, diariamente, centenas de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2019, denúncias desse tipo corresponderam a 11% dos 159 mil registros feitos pelo canal do governo. Ao todo, no último ano, foram registradas 17 mil ocorrências desta natureza.

Ainda de acordo com o Ministério, em 73% dos casos, o abuso sexual ocorre na casa da própria vítima ou do suspeito e é cometido por pai ou padrasto em 40% das denúncias. O suspeito é do sexo masculino em 87% dos registros. Em 2018, o país também bateu o triste recorde de ocorrências de abuso sexual infantil: 32 mil vítimas. 

Mas como evitar que nossos filhos e alunos façam parte dessas estatísticas assustadoras? De acordo com Sandra Tschiner, psicóloga e professora do Instituto Sedes Sapientiae, é preciso entender o ponto de vista do abusador para poder, assim, agir inteligentemente na prevenção do abuso. “O estupro é um ato violento, bruto, que envolve muitas vezes agressões físicas, com ameaças, dor, e a vítima pede socorro. Já o abuso – a carícia nas genitálias da criança ou do adolescente – é um ato sedutor,  acima de qualquer suspeita. Muitas vezes a criança nem entende que está sendo abusada, justamente por que o abusador é um amigo ou familiar próximo, muito carinhoso, e uso do afeto para praticar o crime” afirma Sandra. Por isso, segundo a especialista, que atende crianças e adolescentes vítimas desse crime em seu consultório em São Paulo, 99% dos abusos  sexuais acontecem em casa. “É triste. O abusador tem uma doença estrutural, de formação, sem cura. É preciso estar atento nas relações e comportamentos da criança porque muitas vezes ela não virá contar o que está acontecendo, porque entende que é um afeto, e não um crime grotesco e que deve ser evitado”

Segundo Sandra, há alguns indícios de que a criança pode estar sendo abusada. São eles:

– Gestos sexuais não coerentes à idade

Exemplo: a menina levantar a blusa toda hora para mostrar os seios; o menino tocar o seu ânus a todo momento.

– Atitudes sexuais exacerbadas

Demonstração de muita ansiedade ou agitação fora do comum

Exemplo: a criança anda de um lado para o outro, ou tem um excesso de energia.

Comportamento fora do habitual

– Insônia

– Inadequação social

Exemplo: a criança toca os colegas ou se toca constantemente

– Acoamento com sinais de depressão ou muita tristeza

Diante disso, como pais, mães e professores podem orientar as crianças sobre o abuso? “O abuso é algo muito íntimo. Muitas vezes a criança não vai contar, porque isso requer que ela tenha muita intimidade e confiança no adulto” afirma Sandra Tschiner. Então, a recomendação é sempre conversar muito com as crianças e manter o canal do diálogo sempre aberto, para que elas sintam-se à vontade para expor alguma coisa que esteja lhes confundindo ou incomodando. Outra medida importante é sempre reforçar de que o corpo dela é algo privado e não deve ser tocado por mais ninguém. “O que sempre digo aos meus pacientes é: ninguém no mundo pode mexer no seu corpo – a não ser sua mãe ou o seu médico, contanto que ele esteja na presença de outro adulto” recomenda Sandra. Por fim, aconselha  ela, vale a pena manter a atenção com quem a criança se relaciona no seu dia a dia  (adultos e crianças). 

 

Impactos na vítima

Segundo a psicóloga, os impactos de um abuso sexual, na vida adulta, são significativos: “Toda criança que foi abusada passa por algum distúrbio sexual em algum momento da vida. É como se o abuso mudasse o curso do amadurecimento sexual natural do indivíduo. Algo abrupto acontece e interrompe o fluxo do desenvolvimento – e essa mudança de ritmo e direção terá implicações psicológicas de alguma sorte” afirma Sandra. E por, fim, ela conclui: “O abusador envolve a criança numa teia de prazer, já que o ato é gostoso para ela. Dizemos que é o “beijo do vampiro – ele vem escondido,  sorrateiro, sem alarde, e te envolve. Quando a gente vê, lhe roubaram a alma”.


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