“Meninas, meu filho acabou de fazer 5 anos. Sempre foi muito educado e bonzinho. Mas agora está me deixando louca. Está respondão e desobediente. Me digam que é só uma fase e passa logo, por favor!”. Postado em um grupo de mães de uma rede social, esse post pedindo ajuda coleciona dezenas de comentários que vão desde conselhos, explicações científicas, receitas de florais até simples manifestações de solidariedade.

Posts como esse se repetem em uma pesquisa rápida na página e as idades dos protagonistas variam, sendo a maioria na faixa de 2 a 3 anos: a fase tão temida pelos pais, popularmente conhecida como “terrible two” ou “adolescência dos bebês” e que marca o início do processo de educação dos filhos.

Mas, quem tem filhos sabe bem que o desenvolvimento dos pequenos é regido por fases e os rompantes de desobediência voltam a se repetir ao longo da infância, com maior ou menor intensidade. Qual o pai ou mãe que não passou por uma situação em que se sentiu desafiado por seu filho diante de uma simples ordem? Quantos não se sentem perdidos, cansados e desesperados diante de um comportamento que os tira facilmente do sério? Se uma certa dose de teimosia, birra e desobediência fazem parte do processo de autoafirmação das crianças, como os pais podem agir nestes casos?

 

Criando crianças autônomas

Não há receita única para educar filhos, mas entender os motivos para alguns comportamentos podem ajudar as famílias na hora de lidar com eles.

A psicóloga Laine Maria Alves, mestre em Ciência da Educação e professora em bioenergética, explica que a fase da construção da autonomia nas crianças, consideradas as particularidades de cada uma, tem um pico entre dois e sete anos. Ela se caracteriza, no início, pela percepção por parte da criança de que ela é um indivíduo totalmente separado dos pais, com gostos e vontades próprias. É o momento de ampliar os horizontes e ter a consciência de que o mundo é vasto e cheio de possibilidades.

“A fase da autonomia começa no desenvolvimento dos esfíncteres, onde ela já não está mais na fralda e passa a ter o controle do próprio corpo. É a fase em que começa a autoafirmação e ela precisa passar por isso. Se ela for reprimida neste momento, vai para a vida sem autoafirmação”, frisa.

Então, isso significa que neste período a criança pode fazer o que quer? Não. Laine lembra que esta é uma fase de transição e que cabe aos adultos, pais, cuidadores e responsáveis, estabelecer os limites e direcioná-los, de forma com que se sintam seguros em suas descobertas.


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No entanto, a psicóloga Marisa de Abreu Alves, que trabalha com Terapia Cognitiva Comportamental, alerta para o fato de que, muitas vezes, a criança não obedece apenas por não estar madura o suficiente para entender o pedido dos pais. “Muitas vezes consideramos desobediente a criança que tem prioridades diferentes das prioridades dos adultos e segue suas vontades com maior frequência do que a vontade ou orientação dos pais. Talvez possa ser interessante avaliar também o quanto as exigências dos pais estão além do potencial de seu filho em entender e cumprir. É possível que, em algumas situações, a criança esteja sendo desobediente por ainda não estar pronta para entender o que deveria fazer ou ainda não ter a capacidade cognitiva para absorver as solicitações de seus pais”, pontua a psicóloga.

 

Colocando limites

Para Laine, o maior problema na criação dos filhos hoje em dia é que parte dos pais, muitas vezes para suprir uma carência de afeto e de presença física, acaba tendo dificuldade na hora de contrariar um desejo dos filhos. “Quando eles têm tudo o que querem, eles não se frustram. E quando a criança não se frustra, ela vai para a vida achando que todo mundo tem de fazer pra ela aquilo que ela quer. Isso é a pior coisa que os pais podem fazer”, justifica.

No caso extremo da birra, dentro da bioenergética, a recomendação é que a criança descarregue a raiva momentânea, sabendo que o pai ou a mãe está com ela naquele momento. “Os pais não podem se preocupar com que os outros vão pensar, porque nessas horas todo mundo dá uma dica do que fazer. Se os pais estiverem seguros de que espernear é a melhor saída, que ela esperneie”, orienta Laine.

No caso de necessidade de intervenção, seja por questão de segurança ou porque o período se estendeu mais que o suportável, ela precisa ser contida de maneira firme, mas sem excesso, para que ela sinta o limite do corpo dos pais no dela. Neste momento, o “não” precisa ser dito olhando nos olhos, com firmeza e convicção, e não é hora de diálogo e nem promessas.

“Quando você faz isso e ela percebe que você não vai mudar sua decisão porque ela está chorando, aos poucos, ela vai entender. A criança entende muito o movimento corporal que o adulto faz. Às vezes os pais dizem não, mas o corpo diz sim. Muitas vezes são eles que não conseguem dizer não”, observa.

Na bioenergética, o limite é estabelecido pelo corpo, pois é através dele que o indivíduo se conecta com suas emoções. Na hora de repreender o filho, o ideal é o pai descer à sua altura, para olhar em seus olhos, segurar nos seus braços e dizer “não” com firmeza. É necessário que sempre o contato visual e corporal.

 

Sem receita pronta

Para a psicóloga Marisa de Abreu Alves, cada família pode achar a melhor forma de fazer com que os filhos respeitem as ordens dos pais, mas, de forma geral, o caminho é mostrar a eles, explicando com clareza e paciência, o melhor a se fazer. “Talvez ajude mostrar que vale a pena obedecê-los, ou seja, mostrar que, o que os pais solicitam faz sentido e tem a finalidade de melhorar aspectos de vida dele. Considero interessante passar as regras para os filhos com amor. Eles terão a chance de perceber que você não está mandando fazer ‘coisas chatas’ porque os odeia, mas os está ajudando a desenvolver uma boa qualidade de vida”, orienta.

E o segredo, segundo os especialistas, está sobretudo na repetição.Só assim, os pequenos conseguem absorver os ensinamentos.

Paciência é o exercício que a jornalista Núria de Oliveira procura exercitar nos entraves com a filha Julia, de 5 anos. Ela não considera a filha “desobediente”, mas teimosa. “Eu repito muitas vezes cada regra, às vezes com mais paciência e, confesso, às vezes menos. Também criei um sistema de bonificação, de carinha triste e coração, e ela vai acumulando saldos positivos ou negativos”, conta.

 

E se a birra persistir?

A psicopedagoga Érica Resende Nogueira, coordenadora pedagógica de uma escola de Educação Infantil, costuma dizer que crianças mais “insistentes em um comportamento inadequado” são as que vão testar mais o amor e a paciência dos pais, professores e cuidadores, e que talvez sejam as que mais precisam deles. “Eu tenho fortemente para mim que por trás da armadura mais forte está o ser humano mais frágil.”

“Isso quer dizer que aquele que briga, grita, reluta, esbraveja é aquele mais precisa do nosso colo, da nossa atenção, da nossa afeição, da nossa presença e, sobretudo, do nosso diálogo”, pondera.

Érica recomenda o diálogo e orienta pais e professores a evitarem o embate. “Não adianta bater de frente. A criança está se jogando no chão, está teimando, desobedecendo, está exaltada? É hora de parar, respirar, tomar uma água, se acalmar e depois voltar para finalizar a conversa”, orienta.

A profissional defende também que os pais nunca devem fazer do embate uma constância, para que o relacionamento não aconteça só a partir dele. “Bater de frente a todo momento, gritar, ofender, se magoar não é saudável. O equilíbrio é aquele que se estabelece e se restabelece a partir da boa interação entre as partes. Boa interação é ouvirmos e nos fazermos ouvir, é ora cedermos ora orientarmos, é estarmos juntos, remando na mesma direção”, pontua.

É o que a advogada Camila Pilotto Galho procura fazer com o filho Mateus, de 6 anos. A mãe conta que ele seria a típica criança desobediente se desconsiderássemos o que já foi dito pela psicologia sobre a autoafirmação. “O Mateus não é muito bom regras. Ele sempre as contestou, desde o dia em que aprendeu a dizer não, e é assim até hoje”, lembra. Respeitando a personalidade do filho, mas impondo limites e sua autoridade de mãe, ela diz que, com o tempo, aprendeu a estabelecer um consenso nas situações de conflito. “Sempre temos de negociar. Eu cedo um pouquinho, ele também cede e chegamos num acordo”, conta.

 

Diálogo e acolhimento

Mas, como respeitar a autonomia da criança e, ao mesmo tempo, fazê-la entender que nem sempre poderemos atender suas vontades?

“O caminho sempre é o diálogo e a construção de vínculos. Deixe a criança se expressar para que ela possa se sentir acolhida e entendida em suas necessidades e seus desejos. Mesmo que o que ela peça não vá ser atendido, expressar é importante para o estabelecimento de vínculos, para que ela se sinta considerada nessa relação”, explica a psicopedagoga Érica Resende Nogueira.

Porém, depois de acolhermos e ouvirmos o que a criança tem a dizer, espera-se que nós, adultos, professores ou pais, tenhamos o senso crítico apurado a ponto de mostrarmos para ela que o que ela deseja naquele momento não é possível ou adequado.


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Outra alternativa é oferecer à criança duas alternativas que são seguras, respeitosas e aceitáveis, e deixar que ela escolha o que ele vai fazer a partir daí. Ao receber duas opções, a criança pode manter algum controle sobre as suas decisões e ainda aprender sobre limites.

“Se a criança quer usar uma regata em um dia frio, você explica a ela que o clima não é favorável para usar aquele tipo de roupa e pode dar a ela duas opções de agasalhos para que ela possa escolher o que quer usar. Com isso ela sente que teve voz e vez na relação, mas a partir do que nós, adultos, consideramos importante para ela”.

 

Por que reprimir não é um bom caminho?

As especialistas concordam, também, que forçar a criança a ser extremamente obediente, com castigos e punições severas quando há desobediência, não é garantia de uma educação bem-sucedida. Repressão excessiva pode deixar a criança passiva, tímida e retraída – características que terão reflexos negativos, especialmente na fase da adolescência . “Sermos autoridade para a criança não significa necessariamente sermos autoritários, fazendo com que ela ande sob os nossos desmandos ou comandos. Não considero saudável quando a criança obedece passivamente, sem entender o que está fazendo, ou obedece simplesmente por medo, para não ser punida de forma exageradamente rigorosa. Percebo que a criança tanto mais obedecerá saudavelmente o adulto quanto mais houver afeto e respeito nessa relação”, afirma Marisa.

Estabelecer limite é papel dos pais e também é considerado pelos especialistas como um ato de amor e de cuidado fundamental para o bom desenvolvimento dos pequenos. “A criança que tudo pode, tudo faz, tudo testa e tudo consegue a partir do choro, do desconforto, do incômodo, das palavras, do comportamento inadequado, pode colocar esse amor em julgamento:  ‘Se eu tudo quero, tudo faço, tudo consigo, quem me impõe limite? Quem me ama? Que amor é esse no qual eu decido, eu determino?’ Quem ama, cuida, e cuidar de um detalhe também é cuidar do todo. A criança vai se sentir amada quando ela tem a autoridade a lhe dizer o que é importante para ela”, reflete a psicopedagoga Érica Resende Nogueira.

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2 Comentários

  1. Estou sempre um passo a frente sobre meus filhos, consigo localizar remotamente e saber com quem estão conversando online.
    Está me ajudando muito.

  2. Cibelle Ramos de Aguiar Responder

    Este artigo me ajudou muito, de muitos que li hoje, esse foi o mais coerente e com ajuda prática, sobre como fazer.

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