Enquanto muitas escolas, com foco no vestibular, se preocupam em começar a desenvolver o processo de ensino e aprendizagem por meio de métodos apostilados quando os pequenos têm ainda 2 anos, há pedagogias que prezam pelo livre brincar, pelo contato com a natureza e a expressão artística, como é o caso das escolas de educação Waldorf.
Fundamentada e conectada com a antroposofia, essa metodologia tem como prioridade o desenvolvimento humano. Não há salas com lousas e nem carteiras enfileiradas. Os brinquedos são feitos de materiais naturais, como bonecas de pano e carrinhos de madeira, sendo muitas vezes construídos pelas próprias crianças. A alfabetização ocorre apenas aos 7 anos e não há livros didáticos.
Mais do que se empenhar em formar alunos que tiram boas notas, a pedagogia Waldorf se atenta a formar seres humanos que contribuam com a sociedade. Sendo assim, os baixinhos têm aulas de tricô, euritmia (uma forma de dança) e aprendem a tocar instrumentos de corda, como violino e violoncelo. A busca é alcançar o desenvolvimento físico, espiritual, artístico e intelectual de cada indivíduo.
Devido a esse olhar humanista e transformador, a educação Waldorf foi indicada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como uma possibilidade de responder aos desafios educacionais atuais.
Desenvolvida em 1919, na Alemanha, pelo filósofo Rudolf Steiner, a metodologia é baseada na visão integral do ser humano, contemplando suas dimensões corporais, psicológicas e espirituais. Atualmente, a educação Waldorf está difundida em mais de 60 países, sendo que no Brasil há 88 escolas Waldorf filiadas: 42 jardins-de-infância, 19 escolas com Fundamental I, 15 com Fundamental II e 14 escolas que vão até o Ensino Médio. Além disso, outras 170 iniciativas estão em processos de filiação. Ao todo, são mais de 16 mil alunos e cerca de 1.700 professores. A primeira escola Waldorf do Brasil surgiu em São Paulo, no ano de 1956, e foi fundada por um grupo de amigos que estudavam as obras de Rudolf Steiner e que acreditavam na contribuição da antroposofia para o país.
Quais os princípios da pedagogia Waldorf?
A pedagogia Waldorf está fundamentada nos conceitos da antroposofia, ciência que estuda o ser humano em seus três aspectos: físico, de alma e do espírito. Ou seja, trata-se de uma pedagogia focada no desenvolvimento do ser humano.
“Então, desde quando os alunos são muito pequenos até aos jovens do ensino médio, os professores vão estudar qual é a necessidade daquela faixa etária com que eles estão lidando. É a partir desse ponto que surge todo o currículo, surge tudo o que é proposto e ensinado, sempre a partir da necessidade de cada faixa etária”, explica a psicopedagoga Mariana Herrera Ornelas, que é diretora pedagógica da escola Waldorf Quintal das Borboletas, localizada em Sousas, Campinas.
Para isso, é utilizado um currículo específico, onde os processos de ensino-aprendizagem visam a formação de um adulto livre, com pensamento individual e criativo, com foco na sensibilidade artística, social e na natureza.
“É um método de ensino muito preocupado em proporcionar à criança o que ela precisa em cada idade para se desenvolver integralmente como um ser humano pleno. E esse processo vai acontecendo aos poucos”, completa.
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Como é uma escola waldorf?
Na educação Waldorf, os professores não utilizam livro didático ou caderno pautado, não há boletins, nem computadores ou aparelhos eletrônicos. As cadeiras não são enfileiradas, não há lousa e, na educação infantil, o ambiente escolar é semelhante a uma casa, com cozinha e sala. Além disso, os brinquedos usados pelos alunos são o mais natural possível, como as bonecas de pano e os carros de madeira.
A metodologia também preza pelo oferecimento de objetos rústicos e naturais, disponíveis na própria natureza, como as sementes, pinhas, tocos de madeira, conchas, pedras e raízes. O intuito é possibilitar o acesso à tudo aquilo que possa estimular a fantasia dos pequenos. Também são apresentados instrumentos musicais como metalofone, xilofone, triângulos e sinos.
De acordo com a FEWB (Federação das Escolas Waldorf no Brasil), a Pedagogia Waldorf propõe que a expressão cultural de cada região seja respeitada, característica que a distingue de um método escolar. Isso significa que cada instituição de ensino tem a liberdade de fazer sua própria configuração do espaço, valorizando a cultura local.
“Cada escola deve atender aos anseios do povo do lugar onde está inserida e ser a manifestação viva do meio ambiente e cultural. Sua estrutura física se mostra diferente em cada região, procurando sempre a harmonia em relação à natureza”, afirma a professora de classe Waldorf Helena Wurker, que é diretora da Federação das Escolas Waldorf no Brasil.As escolas Waldorf são livres a partir do ponto de vista pedagógico. Segundo a FEWB (Federação das Escolas Waldorf no Brasil), o ideal é que a administração escolar seja feita pelos próprios professores. Sendo assim, cada escola é independente, porém, o ponto em comum entre todas as instituições é o propósito de concretizar e aperfeiçoar a pedagogia de Rudolf Steiner, visando a formação de pessoas livres, com pensamento individual e criativo, com sensibilidade artística, social e para com a natureza.
Como é o currículo da educação Waldorf?
O ensino Waldorf aborda todos os aspectos legais da educação escolar de forma única e ampla. Seu currículo é elaborado com o objetivo de atender às diversas etapas do desenvolvimento da criança, respeitando o processo individualizado de cada aluno.
“O currículo Waldorf é um conjunto de diretrizes básicas que pode ser flexibilizado a medida de cada realidade local. Tem como princípio considerar a realidade local e social, assim como o contexto histórico em que as crianças estão inseridas”, pontua professora de classe Helena Wurker, diretora da Federação das Escolas Waldorf no Brasil.
Um dos diferenciais dessa metodologia é que o currículo é baseado nos setênios, ou seja, em ciclos de sete anos, sendo do 0 aos 7, os 7 aos 14, e dos 14 em diante. Nas escolas Waldorf os estudantes não repetem de ano. A professora destaca que a pedagogia Waldorf busca proporcionar um ambiente de aprendizado que respeite os ritmos de cada criança.
Ciclo a ciclo
De acordo com a FEWB (Federação das Escolas Waldorf no Brasil), os pequenos do maternal e do jardim-de-infância, que é o primeiro ciclo (do 0 aos 7 anos), aprendem principalmente por meio da imitação e da imaginação. O foco está em desenvolver nos baixinhos um senso de admiração e reverência pela natureza e nas relações humanas.
“A prática pedagógica proporciona que o aprendizado se dê através da arte, como por exemplo pintura, euritmia (uma forma de dança), trabalhos manuais e música. Cada matéria é ressignificada através do artístico e é nesse contexto que o ambiente cultural se faz presente, diferenciando a atuação em cada região do mundo e possibilitando o desenvolvimento integral do ser humano no âmbito do conhecimento, da inteligência emocional e social e do fazer efetivo”, afirma Helena.
Nessa etapa, a ênfase está no desenvolvimento motor e não inclui o processo de alfabetização. Entre as atividades do jardim de infância estão a contação de histórias, brincar livremente, canto, dança, pintura e desenho. Os pequenos ajudam a preparar alguns alimentos e também são estimulados constantemente a ter contato com a natureza.
Já no ensino fundamental, que corresponde ao segundo ciclo (7 aos 14 anos), os estudantes aprendem por meio da orientação de um professor de classe. Esse profissional permanece com a mesma turma durante oito anos. As crianças aprendem língua inglesa, baseada em literatura, mitos e lendas; história cronológica, incluindo as grandes civilizações do mundo e geografia; astronomia; meteorologia; ciências físicas e biológicas; matemática; educação física; jardinagem; artes, incluindo música, pintura, escultura, teatro, euritmia e desenho, além de trabalhos manuais, como tricô, costura, crochê, tecelagem e trabalhos em madeira.
“Para o ingresso do aluno no Ensino Fundamental, os educadores observam a prontidão de cada criança, em respeito às forças de aprendizado que serão necessárias para o seu desenvolvimento”, explica Helena. É nessa etapa que ocorre a alfabetização e a educação dos sentimentos, cujo intuito é que os estudantes adquiram maturidade emocional.
Por sua vez, o ensino médio Waldorf (terceiro ciclo) visa auxiliar os estudantes a desenvolverem todo o potencial como membros da sociedade. Aqui, a escola acredita que o jovem está pronto para exercitar o pensamento e ter uma análise crítica do mundo.
O currículo contempla história, geografia, literatura; conhecimento de culturas universais; física; biologia; química; geologia; matemática; artes, sendo incluso a caligrafia, desenho, pintura, escultura, cerâmica, tecelagem, impressão manual, encadernação, orquestra, coro e euritmia; línguas estrangeiras; e educação física.
Qual é o papel da educação Waldorf?
Para a psicopedagoga Mariana Herrera Ornelas, diretora pedagógica da escola Waldorf Quintal das Borboletas, localizada em Sousas, Campinas, um dos principais papeis da educação Waldorf é respeitar o desenvolvimento humano.
“A pedagogia Waldorf não vai buscar ‘encaixotar’ a criança em nada, porque a criança não precisa estar em um padrão. Ela pode ser elas mesma, com limites e responsabilidades. Isso me encanta, a capacidade de deixar que a criança nos mostre quem ela é”, destaca.
De acordo com a profissional, é por meio dessa metodologia que as crianças desenvolvem muitas habilidades. “Ela tem muitas vivenciais sensoriais e, então, tem a oportunidade de experimentar tudo que o que deveria experimentar uma criança pequena”, pontua.
A professora universitária Aline Favaro Dias, de 35 anos, que é mãe do Francisco, de 4 anos, percebe na prática o quanto a educação Waldorf tem contribuído para o desenvolvimento do filho. “Ele tem um desenvolvimento psicomotor incrível, apresentando um conhecimento importante sobre seu próprio corpo, sobre o seu ambiente e formas de se relacionar com ele. Desenvolve, a cada dia, formas respeitosas de interagir com o outro e com o mundo. Tem uma relação com a natureza de admiração, respeito e início da compreensão dos ritmos e processos naturais. A partir do início da escolarização, passou a se expressar cada vez melhor, conhecendo suas necessidades e comunicando-as de forma respeitosa”, pontua.
Aline cita que o pequeno também aprendeu a realizar trabalhos manuais. “Ele aprendeu tear e bordado, desenvolvendo paulatinamente atenção, concentração, coordenação motora fina e noção de processo, ou seja, há um começo, meio e fim, que leva um tempo para acontecer e necessita de envolvimento e dedicação”, explica.
A professora universitária conta que a escolha por uma escola Waldorf ocorreu devido ao fato de vários aspectos considerados essenciais para sua família eram compatíveis com a pedagogia, como alimentação saudável, compreensão do ser humano e desenvolvimento da criança, relação entre professores e alunos e entre a escola e as famílias, valorização da arte, entre outros. “Um aspecto bastante importante, que influenciou muito a nossa escolha, foi o fato da pedagogia Waldorf valorizar o brincar livre em detrimento da preocupação em alfabetizar precocemente a criança. Isso foi crucial para a escolha de uma escola Waldorf, por acreditarmos que a criança precisa explorar livremente seu próprio corpo, adquirir conhecimento e controle sobre ele, bem como explorar o ambiente. A alfabetização precoce consome um tempo precioso da infância!”, esclarece.
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