Já parou para refletir o por quê, muitas vezes, a criança se entretém mais com o embrulho do presente do que propriamente com o brinquedo? Repare que a caixa de papelão se transforma em um carro, numa casinha, vira esconderijo… Na verdade, aquele objeto pode se transformar em tudo o que ela quiser. Basta criar! O contrário ocorre com os brinquedos já formatados, em que o pequeno apenas segue a instrução para utilizá-lo. E, neste sentido, ter poucos brinquedos pode ser um incentivo para estimular a criatividade dos pequenos.
“Brincar é um processo, brinquedo é um resultado. O que acontece é que o brinquedo, quase sempre, já vem com um manual de uso, feito por um adulto. O adulto projeta o brinquedo para que a criança tenha um tipo de uso. E, ao invés de criar, o brinquedo muitas vezes transforma o brincar em uma atividade de reprodução daquilo que o adulto planejou para a criança”, afirma a designer e pedagoga Maíra Gomes, que administra o perfil @desbrinquedo no Instagram.
De acordo com Maíra, ter poucos brinquedos facilita para que a criança perceba que o maior recurso para brincar é o que existe, na verdade, no seu próprio interior. “Se a criança tem poucos brinquedos, as possibilidades de uso daqueles materiais também serão menores e, uma vez esgotadas as possibilidades sugeridas pelo adulto, a criança tende acessar no próprio repertório novas maneiras criativas de brincar com o objeto. E este, desta vez, representa parte da bagagem interna da criança, ao invés da reprodução de algo planejado pelo adulto”, pontua.
É importante lembrar que as brincadeiras são de extrema importância para o desenvolvimento infantil, afinal, é a maneira como as crianças se expressam, se conectam com o mundo e com as pessoas. “É muito importante que a gente valorize o brincar, porque valorizá-lo é valorizar também a cultura da infância e respeitar a criança como um sujeito social. Muitos conflitos internos são resolvidos pela criança nas oportunidades que ela tem de brincar livre. E o adulto que aprende observá-la em seus momentos tem muito a aprender sobre o que acontece dentro da criança: medos, angústias e alegrias”, afirma.
Porém, incentivar o brincar não significa ter de oferecer uma ampla variedade de brincadeiras e brinquedos para seu filho e/ou filha. “Não acredito que as crianças precisam de ajuda para criar brinquedos e brincadeiras: isso é natural para elas. O que elas precisam é de materiais interessantes e possibilidades para fazer isso acontecer”, explica. Sendo assim, Maíra sugere brinquedos de diferentes texturas e materiais, como papel, madeira, pano e metal.
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Cuidado com excesso de estímulos
A dica da profissional é evitar os brinquedos que sobrecarregam o sistema sensorial da criança, como os carrinhos que andam, emitem sons e acendem luzes. “Para que a cultura da infância seja preservada, a gente precisa se atentar para minimizar o excesso de brinquedos que brincam sozinhos. Os ‘desbrinquedos’ que produzo, por exemplo, são ferramentas que só se transformam em brinquedos através da intervenção ativa da criança. Sem a imaginação e a participação da criança, o brinquedo não existe. Acho que é sobre isso, sabe? Se perguntar: sem a imaginação, o brinquedo continua existindo?”, indaga.
A designer e pedagoga ainda ressalta que reproduzir um brinquedo é diferente de criá-lo. “Então, por exemplo, se o adulto compra os materiais para a criança fazer o garfinho do ‘Toy Story 4’ é divertido? Pode ser. Mas é importante que a gente reconheça que a criança não está criando o garfinho. Quem criou o garfinho foi a menina do filme (na verdade, o adulto que fez o filme, né?). A sua criança estará apenas reproduzindo o garfinho”, exemplifica.
Segundo Maíra, a criatividade é um processo interno e as crianças precisam de oportunidade para que isso ocorra. “As atividades criativas que os adultos procuram tanto na internet, só são criativas para as pessoas que criaram elas. De resto, é reprodução. Precisamos nos atentar a isso”, reflete.
Crianças com menos brinquedos são mais criativas?
Mãe de uma menina de 4 anos, a esteticista Camila Campos Veríssimo conta que, no passado, a filha era uma criança repleta de brinquedos e, devido a grande variedade, muitos a família nem sabia que a menina tinha. Com o passar do tempo, Camila foi doando alguns e eliminando os que estavam quebrados.
“Hoje a caixa de brinquedos dela é uma cestinha, dessas que vem frutinhas de plástico para brincar de feira. Os benefícios são enormes, ela coloca toda atenção dela no que ela está brincando e sabe que precisa cuidar daquilo, porque se quebrar não vai ter um novo tão cedo. E hoje ela é a primeira a falar para doar algo quando não quer mais”, conta.
Camila acredita que, com uma menor quantidade de brinquedo, as crianças são mais criativas. “Aqui colocamos a regra de só dar presentes em datas especiais, como aniversário, Dia das Crianças e Natal. E quando eu vou comprar o presente, avalio muito bem se ela já tem algo parecido, se vale a pena, se vai brincar… tenho dado preferência à papelaria, compro massinha, giz, tinta, um caderno e ela faz a festa. Crianças são tão criativas”, afirma.
Além disso, a esteticista também acredita que, ao escolher deixar as crianças com poucas opções de brinquedos, os pequenos aprendem sobre a importância de ter responsabilidade. “Eu acredito que quando a criança não tem tantos brinquedos ela dá valor para os poucos que ela tem, tendo aquela responsabilidade de cuidar daquele objeto com amor e focando a atenção naquele brinquedo”, acredita. Outro ponto positivo de a família optar por essa prática, é ensinar desde cedo a importância do consumo consciente. “Ainda tem a questão de quanto mais brinquedos, mais consumista aquela criança fica. Ela quer sempre mais um, o brinquedo da moda, e nunca se satisfaz, porque ela está acostumada a ter sempre algo novo entulhando a casa e/ou o quarto”, reflete.
Quando acontece da filha ganhar muitos presentes de familiares, elas decidem juntas quais brinquedos antigos podem ser doados e os que estão quebrados, são descartados. “Nesses casos, nós sentamos no chão e, juntas, decidimos qual dos brinquedos antigos serão doados. Se algo estiver quebrado já vai para o lixo e escolhemos o que vale a pena guardar, já que alguns têm um grande valor sentimental para ela, como uma ovelha de pelúcia que ela ganhou da amiguinha da escola”, exemplifica. Por fim, Camila ressalta que o mais importante “não é a quantidade de brinquedos, mas, sim, a qualidade do tempo que dedicamos para nossos pequenos”.
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