Como educadora entendo e divulgo todos os benefícios da amamentação. Amamentei pouco e confesso que, para mim, não foi uma experiência das mais prazerosas. Bento, meu filho mais velho, custou a acertar a pega. Tive suporte de enfermeiras, auxílio de mãe, avó, mas nada parecia fazer o processo engrenar. No começo, eu tinha muito leite, o que piorava um pouco a situação, porque, como não conseguia amamentar o suficiente, eu sentia muitas dores, sofria com o inchaço e endurecimento dos seios. Não conseguia dormir, porque o Bento chorava de fome e porque meus seios pareciam dois blocos de concreto. Com o seio endurecido, amamentar era ainda mais difícil, era preciso aplicar uma série de manobras e procedimentos para amolecer o leite e permitir a pega. Mais difícil ainda era convencer o Bento a sugar… No desespero, comecei a usar a bombinha e oferecer o leite materno na mamadeira. Então, a amamentação “como deve ser” vai por água abaixo, porque a produção de leite não regula com a fome do bebê, o bico da mamadeira confunde como bico do peito etc etc etc. Daí parece que tudo caminha para a oferta de fórmula. Três meses depois do nascimento do Bento, engravidei novamente o que tornou tudo ainda mais complexo.  

Joaquim, meu segundo filho, mamou super bem, desde o início. Minha produção de leite era altíssima e, ainda na maternidade, tive que recorrer a compressas de gelo para diminuir o inchaço dos seios. Dessa vez, eu estava determinada a amamentar por um maior período de tempo, livre demanda, como prega a cartilha. Após muitas noites mal dormidas, de mal humor intenso, percebi que o Bento, meu pequeno que acabara de completar 1 aninho, quase não tinha tempo com a mãe. Eu não tinha disposição para brincar, para dar atenção ao meu outro bebê, ainda sem muita autonomia, que ainda precisava muito do meu colo. Isso sem mencionar a relação com o companheiro (a) e com o trabalho. Sim, com o trabalho, pois nunca tirei licença maternidade. Na verdade voltei a trabalhar 3 dias depois que o Joaquim nasceu – conto essa história em outro capítulo, até lá, você pode ir me chamando de louca workaholic, mas não, não tive opção. Bom, dessa vez, amamentei por mais tempo e interrompi a amamentação, pelo bem geral da nação. Terei que conviver com isso para o resto da vida, nada do que me orgulhar. 

Lembro de ficar muito constrangida ao ouvir: “Mas você JÁ parou de amamentar?”, “Nossa, mas amamentar é muito importante, seus filhos vão ficar doentes…”, “Você não tinha leite?”, “Seu leite era fraco?”. Ao mesmo tempo em que eu me sentia mal, imaginava como se sentiam as mães adotivas, as mães de múltiplos e todas aquelas que enfrentavam dificuldades para amamentar exclusivamente. Comentários desse tipo magoavam fundo. De alguma forma, pareciam tentar intencionalmente nos diminuir como mães, faziam-nos parecer fracas, pouco resilientes, derrotadas. No trabalho com educação infantil, é rotineiro perguntar se a mãe ainda amamenta ou se a criança toma fórmula, até porque as berçaristas precisam conhecer a rotina de alimentação da criança. Muitas vezes, em resposta a essa pergunta, as mães se justificam, se explicam, envergonhadas, quase pedindo desculpas por não amamentarem mais. Vocês não imaginam o olhar de alívio e a gratidão, quando digo a elas: “Mãe, está tudo bem, fique tranquila, não tem nenhum juízo de valor nessa pergunta. Amamentar é muito importante, mas é muito difícil também. Você não imagina quantas mães têm dificuldades para amamentar…” Pronto! A mãe que não amamenta deixa de ser uma “aberração da natureza” e passa a ser mais uma mãe, imperfeita como todas as outras. 

“Eu faço BLW”. “Pro meu pequeno, só papinha sem sal”. “Papinha pronta nem pensar!”. “Fritura nem pensar!”. “Hamburguer, cachorro-quente, pizza, nem pensar!”. “Açúcar, nem pensar!”. “Tudo orgânico, integral e sem conservante”. Quando se trata de alimentação, hoje todo mundo tem um quê de nutricionista, muitas regras e verdades absolutas, fórmulas universais que todas as famílias deveriam seguir. Nunca ofereça nada a uma criança sem antes perguntar ao responsável se ela come aquele determinado alimento. “Ela come bala?”, “Ele pode comer biscoito”? Em respeito à cultura familiar, perguntar antes é sempre o melhor a fazer. Perguntar ao adulto, claro, porque há grandes chances de a criança faltar com a verdade para comer um brigadeiro ou um salgadinho. Bento e Joaquim “comem de tudo”, de tudo mesmo, algumas vezes, até o que não deviam, mas gosto quando me perguntam se podem oferecer algo a eles, acho respeitoso. Apesar de comerem de tudo, às vezes, o horário não é bacana, às vezes eles estão com o intestino mexido e não quero oferecer determinados alimentos, enfim, não custa checar.  

Quando os pais me dizem “Meu filho come mal”, costumo indicar refeições na escola. “Comer mal” pode significar comer de forma não saudável ou de forma saudável, mas em quantidade insuficiente, com muitas restrições. Se for possível, deixe seu filho que “come mal” fazer as refeições na escola. Na escola, o gasto de energia aumenta o apetite, o cardápio é equilibrado, há horários regulares, não há substitutos, distrações ou lanchinhos fora de hora, as refeições são feitas à mesa e, para muitos, isso, por si só, já é um avanço. Além disso, nada melhor que a companhia dos colegas para estimular bons hábitos à mesa e influenciar as escolhas alimentares.  Festas de aniversário no ambiente escolar, precisam respeitar a coletividade. São sempre bem-vindos bolos sem lactose (leite de coco é uma ótima pedida), frutas, milho cozido e lanchinhos saudáveis. Na sala do seu filho, pode haver um amiguinho intolerante, alguém com restrição de açúcar, e a gente não quer que nenhuma criança se sinta excluída. Se a comemoração se dá no ambiente escolar, vale democratizar a festa ao máximo. Se fizer questão das guloseimas, guarde-as para as lembrancinhas, que devem ser enviadas para casa e não distribuídas na escola. Assim, cada família decide se seu pequeno poderá ou não comer as delícias. 

Nos buffets infantis, nos eventos familiares, a criançada se reúne e os pais/nutricionistas começam o bate-papo: “Seu filho come açúcar?”, “Nossa, mas ele é tão novinho para comer essas coisas…”, “Gente, gelatina é um veneno”, “Na minha casa, faço tudo sem glúten e sem lactose”, “Ai, deixa ele comer à vontade, deixa o menino ser criança”, “Por isso, que ele está tão magrinho, não pode comer nada, coitado”, “Suco é péssimo para a saúde, puro açúcar”. Essa nossa mania de condenar, de recriminar os hábitos alheios foge completamente às regras de boa convivência, afinal, ninguém gosta de se sentir analisado, julgado. O ideal de boa alimentação varia de família para família, a flexibilização ou não da rotina alimentar também fica a critério dos pais. Como o Bento e o Joaquim fazem as refeições na escola, costumo ficar tranquila em flexibilizar a rotina em festas de aniversários, eventos familiares etc. Muitos pais enfrentam dificuldades diárias com a alimentação dos filhos, então, não sobra muito espaço para flexibilizar as regras. Algumas famílias têm a agenda social tão lotada de eventos que a exceção de uma alimentação menos regrada pode acabar virando regra, então, melhor seguir com a rotina mesmo em ocasiões especiais. Há crianças que comem tão pouquinho que os pais ficam contentes quando as veem lambuzadas de bolo e ketchup. Nada de se intrometer. Dieta saudável de verdade não tem receita pronta, daquelas que vem em revista, cada um tem a sua. 

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