Andar descalça na grama, sentir a textura diferente das folhas, construir um bolinho de areia, criar uma espada com gravetos, acompanhar as borboletas pousando nas pétalas das flores, correr atrás de uma galinha e colher uma acerola bem madurinha direto do pé. A lista de brincadeiras que podem ser realizadas ao ar livre é extensa e, como não poderia deixar de ser, quando se fala em criança e natureza, é para lá de divertida. Porém, mais do que isso, a importância de brincar ao ar livre é fundamental para a saúde física e mental dos pequenos.

De acordo com a educadora e escritora Ana Lúcia Machado, idealizadora do site Educando Tudo Muda (educandotudomuda.com.br) e autora do livro infantil ‘A Turma da Floresta – uma brincadeira puxa outra’, várias pesquisas relacionam as vivências na natureza com a diminuição dos sintomas de hiperatividade e déficit de atenção. “Trabalhos produzidos pelo Laboratório de Pesquisa de Humanos e Ambiente da Universidade de Illinois descobriram que espaços ao ar livre estimulam brincadeiras criativas, melhoram a interação positiva com adultos e melhoram o foco e a concentração das crianças”, afirma.

Para a pedagoga Kelma Oliveira, que é fundadora da Fava de Bolota, uma escola de educação não formal e centro de estudos, pesquisas e promoção da cultura brincante, brincar é uma forma de habitar o mundo e, ao ar livre, é uma forma de experimentá-lo, estabelecer relações sociais, criar seus próprios recursos e explorar os mais diversos contextos. “Estar na natureza é um convite para conexão com nós mesmos, afinal, somos natureza. Compreender esse pertencimento nos ajuda a nos relacionar com a natureza do nosso entorno, e, então, estabelecer uma relação de intimidade, de interação, de escuta, de apuração dos sentidos, e só assim desenvolver um senso de responsabilidade e cuidado com toda a comunidade da vida”, ressalta.


Confira a coluna de Arte Educação: Brincar é uma linguagem do conhecimento


 

Benefícios de brincar ao ar livre

Um estudo realizado nos Estados Unidos, em 2017, quando foram entrevistados cerca de 1.270 pais e cuidadores, revelou que as crianças passavam 19 horas por semana na frente dos eletrônicos, cerca de 15 horas brincando em casa, mas longe das telas, e apenas 11 horas brincando ao ar livre. E os pesquisadores e educadores da área não têm dúvidas: os pequenos precisam ter mais horas brincando na natureza.  

“Brincar em contato com a natureza é fundamental para o desenvolvimento integral infantil. A natureza em si potencializa o desenvolvimento nos âmbitos biopsicossocial e espiritual”, esclarece Ana Lúcia.

Além de possibilitar inúmeras sensações e aprendizados, brincar ao ar livre ainda traz muitos benefícios, como proporcionar a interação com a família, uma vez que pais, mães e filhos podem aproveitar a natureza para aumentar a conexão entre eles, trocar afetos e, sem dúvida, se divertirem muito enquanto sentem o vento no rosto ou o quentinho do sol tocando na pele.

“Brincar ao ar livre é também terapêutico. Médicos indicam o contato com a natureza para ajudar no tratamento de asma e alergias. Também é relaxante, pois brincadeiras com areia, terra, água e folhas são excelentes para a criança extravasar sentimentos como raiva e tristeza. Também desenvolve a criatividade e a imaginação”, pontua a pedagoga e educadora parental Roberta Elmôr, idealizadora do perfil @olhar_pedagogico, no Instagram.

Segundo a educadora e escritora Ana Lúcia Machado, o afastamento do mundo natural tem gerado problemas físicos e mentais, inclusive nas crianças. E, para compensar os efeitos negativos dos hábitos urbanos e da invasão tecnológica, ela afirma que é preciso doses frequentes de natureza. 

“A criança tem atividade motora intensa e, por este motivo, necessita de experiências diárias de expansão e atividades corporais livres e espontâneas. Os verbos de ação desta etapa de desenvolvimento são: correr, pular, saltar, rolar, escorregar, girar, subir, descer, escalar, trepar, etc, e não os verbos assistir, teclar, sentar, escrever e ler. As crianças precisam de espaços abertos, amplos, em terrenos irregulares e diversificados – de terra, grama, pedrinhas, que possuam elevações e declives, favorecendo assim diferentes estímulos sensoriais”, explica.

A profissional afirma ainda que esses estímulos contribuem para a estruturação do sistema muscular infantil e seu desenvolvimento motor, gerando destreza corporal e domínio espacial. De acordo com Ana Lúcia, a musculatura dos pés e pernas são fortalecidas ao deixar a criança andar descalça, pois promove desenvoltura no andar, correr e saltar. 

Brincar na natureza propicia um gasto maior de energia, o que auxilia na prevenção da obesidade, no alívio de tensões, e na qualidade do sono, que está diretamente ligada ao crescimento infantil. Ao ar livre, em exposição aos raios solares, prevenimos a deficiência de vitamina D, importante para o desenvolvimento dos ossos, lista.


Confira também: A importância do brincar em prol do desenvolvimento infantil


E a importância de brincar ao ar livre não para por aí. Até mesmo a visão das crianças é beneficiada. “Em ambientes naturais, a criança inevitavelmente será levada à alternância de foco – ora fixará o olhar naquilo que está próximo à ela, ora seu olhar estará direcionado para objetos ao longe, permitindo que os olhos sigam uma linha vertical, horizontal e de profundidade, impedindo o encurtamento dos músculos oculares, e consequente miopia”, explica. 

Além disso, Ana Lúcia acredita que as atividades brincantes na natureza são fundamentais também para o amadurecimento psicológico da criança. “Brincando em ambientes naturais, a criança fica exposta às situações imprevisíveis e desafiadoras. Isto possibilita importantes aprendizados, tais como saber correr riscos e medi-los, entendendo que riscos são aqueles cujas consequências são baixas e aceitáveis, em comparação aos ganhos que propiciam às crianças. Tudo isso contribui para o bem-estar mental dos pequenos, promovendo equilíbrio interno, autonomia, e resiliência”, acrescenta.

A pedagoga Kelma Oliveira lembra ainda que, se é pelo brincar que que a criança estabelece relações com o mundo, o melhor caminho é favorecer contextos lúdicos no universo natural. “A natureza, por si só, favorece a criatividade, onde os brinquedos e brincadeiras são inventados a partir do que existe no entorno. Nada pronto, dirigido ou inventando pelo adulto. Tudo naturalmente criado, imaginado, projetado pelas crianças de forma muito natural”, argumenta.

 

Atividades para realizar

Com a vida atribulada dos adultos, passar muitas horas brincando dentro de casa é a realidade da maioria das crianças. Sendo assim, ao ir para praças, parque ou até mesmo no quintal dos avós, pais e mães ficam, muitas vezes, sem saber quais atividades ao ar livre podem ser oferecidas para os pequenos.

Na verdade, não precisa se preocupar com isso. Criança e natureza possuem afinidade e conexão. Basta deixar seu filho ou filha livre para usar a criatividade. Para a pedagoga Kelma Oliveira, o galho pode virar flecha ou espada, o graveto pode se transformar em boneco, a folha em barco e a semente em asas. Os elementos da natureza podem se transformar em uma infinidade de brinquedos naturais!

“Somos muito favoráveis à ocupação do espaço público, em parques e praças da cidade. Pisar na terra, nas folhas, colher frutos, desenhar na terra, desenhar com gravetos, com folhas, sentir o vento, brincar com o vento, sentir o cheiro do mato, fazer misturinhas com os elementos da natureza, observar os ciclos da vida investigando o que brota o que morre na floresta, tudo isso é muito possível quando estamos no ambiente natural”, orienta.

A dica da pedagoga e educadora parental Roberta Elmôr é fazer um circuito nos parquinhos, incentivando a criança a subir, descer e explorar. Ela ainda sugere brincar de bolha de sabão, construir castelos de areia, brincar de fazer comidinha com sementes e folhas, guerrinha de água, caça ao tesouro e pique-esconde.

De acordo com a educadora e escritora Ana Lúcia Machado, toda criança é um pequeno cientista. Sendo assim, uma caminhada por uma praça ou jardim já proporciona um mundo de brincadeiras naturais, como observar formigas, lagartas, minhocas, musgos, além de poder subir em árvores, colher folhas, flores, sementes e pegar pedras. 

“Com esses achados e coletas de materiais orgânicos, galhos viram espadas ou varinhas de condão nas mãos das crianças. Folhas e flores ora podem ser decoração de um lindo bolo, ora adorno de uma coroa na cabeça. Construir brinquedos e composições artísticas com objetos da natureza é algo muito divertido para as crianças”, completa.


Confira também: Crianças criativas: como estimular a criatividade infantil?


 

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1 Comentário

  1. DIRCE MARIA DE LIMA MOTTA MANTELATTO Responder

    Achei a matéria muito rica e interessante, gostaria que a mesma fosse mais ilustrada e contivesse as falas das crianças nessas brincadeiras no parque ao ar livre. Agradeço.

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